06/09/2012

REPULSA

Para vocês, governantes da treta!
Para vocês, parasitas asquerosos
que estão aí, rindo de mim
bem do alto da vossa importância...

Vocês, que se divertem a escarnecer da minha tristeza...
Da minha pobreza...
Das minhas lágrimas...
Da minha vergonha...
Da minha fome...
Vocês, que com a vossa mediocridade
me passaram há muito, um atestado de inutilidade!
E com isso, esfrangalharam a minha auto-estima
a minha dignidade!
Digam-me!
Vocês estão a rir-se de quê?
Estão a rir deste farrapo humano que vocês próprios inventaram?
Que vocês próprios criaram e manipularam?
Estão a rir, por me terem roubado a vontade de sorrir?
Por terem apagado a luz que me iluminava as entranhas?
Por terem ceifado as flores que enfeitavam as minhas esperanças?
Palhaços!
Que mais farão vocês a seguir
para me deprimir?
Que mais vos falta fazer
para que o vosso riso possa ser ainda mais amplo?
Para que o vosso divertimento possa ser ainda mais completo?
Para que o vosso gozo possa ser total?
Digam-me, palhaços! Que vão vocês fazer?
Vão-me prender?
Pois então, prendam-me!
Porque mesmo na prisão, hei-de gritar bem alto a minha repulsa!
E mais alto ainda, gritarei os vossos nomes...
Incompetentes!
Ladrões!
Corruptos!
Assaltantes do povo!

Mas, se vocês porcos fascistas, acharem que sou um louco
e que prender-me, poderá ser pouco...
Então, dêm largas ao vosso prazer
e mandem-me abater...!
Mas não...! Vocês, são cobardes demais para isso!
Vocês sabem que não adianta matar um poeta!
Porque se um poeta vivo nunca se cala,
um poeta morto não perde a fala!
Por isso, vocês corja de abutres
não vão fazer-me nada!
Vocês sabem, que é tudo verdade, aquilo que eu vos digo!
Vocês sabem que são justos, os nomes que eu vos chamo!
Vocês canalhas, são uma vergonha!
Vocês são o esterco, que fez apodrecer este país!
Vocês são o cúmulo da futilidade
e a peste, que envenenou a sociedade!

Vocês, corja, não são governantes...
São porcos que chafurdam na podridão das vossas mentes!
São pavões, que se empanturram de vaidade!
E se lambuzam, no dinheiro que roubam ao povo
para destribuirem aos maços
pelos ricos, vossos amigalhaços!

Odeios, cambada!
Vocês são a merda que transbordou de uma qualquer fossa céptica
e se transformou num rio...
Que os há-de arrastar até à raiz, da grande puta que os pariu!

José Gago

13/08/2012

JOSÉ ROSA GAGO - ( Poema acróstico )

Jamais serei poeta da saudade
Ostentando a tristeza como meta
Serei sim, um cantor da Liberdade
É esse o meu dever como poeta!

Reclamar os meus direitos, estar presente
Onde a minha poesia esteja em riste
Sem medo, agitar lá bem na frente
A bandeira da razão, que ao povo assiste!

Garantir a altivez do meu país
Abril aconteceu, é imortal...
Gritar ao mundo - Aqui, eu sou feliz
O meu país é livre, é Portugal...!

José Gago

OLÁ, LUANDA!

Olá, Luanda!
Minha alegre cabritinha enamorada!
Meu sumo de manga fresquinho
que eu bebi de madrugada...
Minha janela aberta
por onde vejo essa Angola
tão distante e tão amada...!

Olá, Luanda!
Da imensidão do mar anil...
Dos bairros de S.Paulo e do Cazenga
do campo do Grafanil...
Onde um dia morri por ti
antes de Abril...!

Olá, Luanda!
Minha savana incendiada
fogo posto no capim...
Tu és merengue, quizomba e batucada
saudade amontoada
que arde dentro de mim...!

José Gago

O BEIJO ROUBADO

Após a valsa rodada
que nós dançámos os dois
a dança que veio depois
foi muito mais complicada...
Decidi roubar-te um beijo
e levei uma estalada!

Foi um beijo sem maldade
sem ofensa p'ra ninguém
mas tu não achaste bem
essa minha liberdade...
E de uma coisa tão simples
formou-se uma tempestade!

Veio o teu pai e a tua mãe
veio também o teu irmão
instalou-se a confusão
não mais se entendeu ninguém...
Dei meia dúzia de socos
mas levei para aí uns cem!

E assim me ficou gravado
p'ra toda a eternidade
aquele beijo roubado
na febre da mocidade...
No bailarico mais falado
da nossa colectividade...!

José Gago

11/08/2012

PERDIDOS E ACHADOS

Atenção!
Encontrou-se cabeça...

Perdida por uma razão qualquer,
tanto pode ser de homem, como de mulher...!

Pelo mau estado em que se apresenta,
revela nunca ter tido massa cinzenta...!

Todo o interior da sua estrutura,
demonstra avançados sinais de loucura...!

Também a sua superfície exterior
se apresenta muito combalida...
Devido às grandes cabeçadas,
que terá dado na vida...!

Mesmo que haja pouco a fazer-lhe...
Entrega-se a quem provar pertencer-lhe...!

José Gago

TUDO E NADA

Eu sou o rio impaciente
que corre veloz...
Em busca da foz...!

Sou a onda indiferente
prenha de segredos...
Que esmaga a revolta, de encontro aos rochedos...!

Eu sou a nortada
persistente e fria...
Que agita a seara, ao final do dia...!

Eu sou tempestade e sou acalmia...
Sou o frio da tristeza...
Sou o sol da alegria...!

Sou a noite de breu
e sou a madrugada...
Sou o silêncio
e sou a alvorada...
Sou a partida
e sou a chegada...

Eu sou tudo...
E não sou nada!

José Gago

FILHA PREDILECTA

É filha predilecta de Palmela,
a terra que eu mais amo e me alumia
Por ser Quinta do Anjo o nome dela,
tem anjos a guardá-la noite e dia...

Muito embora modesta, é altaneira
imponente no nome e tradição
Do trabalho teceu sua bandeira
e dorme em lençóis feitos de pão...

A serra dá o tom de verde e ouro
ao manto que cobre a sua nudez
O vinho dá-lhe o crisma dum tesouro
e a força do sangue bem português...

Os seus filhos leais, seguem o lema
fiéis à sua regra pioneira,
Amá-la como os versos dum poema
que se escreve e se canta a vida inteira...!

José Gago

15/07/2012

O CANDIDATO DO ZÉ

Portugueses!
É verdade que eu estou aqui
para vos pedir o vosso voto!
Mas ao contrário de outros candidatos
que andam por aí a prometer, aquilo que não podem fazer...
Eu não peço o vosso voto
apenas para me sentar na cadeira do poder...!

Eu peço o vosso voto, sim!
Porque sou um candidato diferente...
E quero fazer a mudança
e trazer a esperança a toda a gente!

Eu não sou o candidato da mentira
nem da incerteza...
Eu sou o candidato da verdade
e da certeza!

Blá blá... Blá blá...
Blá blá... Blá blá...

Sempre que há eleições...
Este é o discurso matreiro e costumeiro
dum qualquer candidato ao poleiro...!
Candidato que pondo em campo toda a sua habilidade...
afabilidade e boa fé...
Tem por único obectivo, caçar o voto ao Zé!

E como sempre... O Zé escuta!
O Zé pensa...
Torna a escutar...
Torna a pensar...
Medita!
Hesita!
Mas no fim, acredita...!

E assim, chegado o dia da eleição
o Zé todo pimpão...
Levanta-se cedinho
põe pés a caminho
e lá vai, pôr a cruz no quadradinho...!
E o Zé, está entusiasmado...
Está farto de ser enganado
mas desta vez, escolheu o candidato acertado...!

O escrutínio chegou...
O Zé aguardou...
O candidato ganhou
E o Zé festejou!

Logo mais, o eleito falou!
O Zé escutou...
E de tudo o que ouviu
o Zé não gostou...
E logo exclamou:
Porra!
Este gajo já me enganou!

Aquela criatura simpática, afável, e fagueira
que o Zé apoiava com cegueira...
Uma vez eleito
já não fala da mesma maneira!
E o Zé, na sua boa fé
mais uma vez, fez asneira!

Neste caminho de escolhos
de esperanças ao Deus dará...
Se o Zé não abrir os olhos
nunca mais iremos lá...!

José Gago

O CÉU E O INFERNO

Voltando atrás
aos tempos da minha meninice
ou se quiserem, aos tempos do obscurantismo...
Onde mais importante do que aprender a ler,
era estudar o catecismo...
A primeira lei de Deus que se aprendia
e que toda a gente sabia
era que os bons iam para o céu...
E os maus, iam para o inferno...!

E pronto, era assim...
Limpinho como a água!
E seria até uma lei justa
da qual ninguém teria nada a dizer
e contra a qual ninguém poderia recorrer...!

Mas claro! Eram outros tempos...
Hoje, num mundo onde tudo mudou
e toda a gente se abandalhou...
Não dá sequer para supôr
que essa lei possa ainda estar em vigor...!

Ou será que alguém ainda acredita
que neste mundo da confusão...
Da mentira, da traição...
Da vigarice, da podridão...
Ainda haverá quem mereça a salvação...?
Eu penso que não!
Nem Deus, que é Deus, teria tempo e paciência
para assinar tanto perdão...!

Por isso, o que eu penso
é que o céu deve ser hoje um espaço triste
que está às moscas
ou simplesmente já não existe...!

De facto, sendo o céu um paraíso
como dizem...
Quem me garante que ele não tenha sido cobiçado...
Invadido, devassado...
E posteriormente transformado em algo diferente
daquilo para que estava destinado...?

O céu, pode muito bem ter dado lugar por exemplo:
A um aldeamento de luxo...
Um campo de golfe...
Uma grande superficie comercial...
Eu sei lá!
A não ser que, perante a incapacidade absoluta
do inferno absorver todo o lixo humanitário
que para lá era encaminhado...
Deus tenha decidido fazer do céu, uma espécie de aterro sanitário
onde parte desse lixo poderia ser reciclado...!

Quanto ao inferno...
Com a sua lotação completamente e permanentemente esgotada
a sua área teve de ser substancialmente alargada...!
Daí que o diabo tenha resolvido abrir uma sucursal
precisamente aqui em Portugal!
E daí também
a razão deste país, cheirar cada vez mais mal...!

José Gago


GENTE

É uma realidade evidente,
que nesta vida há gente... E há gente...!
Ou seja:
Há gente que é gente
e há gente, que não é gente...!

Temos aquela gente, decente
diferente
inteligente e bem formada...
E temos a outra gente, indecente
repelente
que de gente não tem nada!

Estou falando
daquela gente, gentinha
mesquinha, indegesta...
Daquela gente abortada,
ressabiada, que não presta...!

Gente inútil, fútil, despeitada...
Gente sombria, vazia, enviesada...
Gente cansativa, enjoativa, inquinada...!

Nesta vida, há gente...
E há gente...!

Há gente, que vive para nos encantar...
E há gente que vive para nos chatear...!

Há gente que vive para resplandecer...
E há gente que vive, só por viver...!

José Gago

03/07/2012

SOU PORTUGUÊS

Sou português e sou povo
do povo sou trovador...
Sou luar dum mundo novo
sou estrela dum novo alvor...

Sou português e sou esperança
pomba branca sem idade...
Quando canto sou criança
quando choro, sou verdade!

Sou português e poeta
de rimas e sementeiras...
Sou pastor e sou profecta
no meu mundo sem fronteiras...

Sou português e sou fado
mas sou fado sem saudade
Sou poema transportado
nas asas da Liberdade!

José Gago

SAUDADES DE LUANDA

Tenho saudades de ti, Luanda!
De quando em teu cais desembarquei
naquele mês de Fevereiro, já tão distante...
De quando o teu solo quente pisei
e quase desmaiei, ao teu calor sufocante...!

Tenho saudades de ti, Luanda!
De ver-te assim, buliçosa
fervilhante de alegria
E desse azul deslumbrante
da tua linda baía...!

Tenho saudades de ti, Luanda!
Do frenesim da Mutamba...
Da praia da ilha...
Do "snobismo" da Versalhes...
Da liberal Portugália...

Tenho saudades de ti, Luanda!
De todo esse mundo maravilha
que me deleitou o coração
E que ainda hoje fervilha
na minha recordação...!

Tenho saudades dos coqueiros
da cidadela, tão bela...
Do exotismo dos teus subúrbios
da tua deslumbrante marginal...

Tenho saudades de ti, Luanda!
De quando tu eras, Portugal!

José Gago

01/07/2012

O COISO

No meu país singular
onde os trastes fazem poiso
acabaram de inventar
uma coisa, que é o "coiso"...!

O mais certo, é que o "coiso" e a coisa
acabem por ser a mesma coisa...
O que não seria grande coisa!

Caso contrário, ficaremos sem saber
se a coisa criou o "coiso"
ou se o "coiso" saiu da coisa...

Olhando bem para as coisas
talvez o "coiso" faça falta
porque será mais uma coisa
a mexer no "coiso" da malta...

Mas este "coiso" é esquisito
e por certo, não veio por bem...

Por não ser bom, nem bonito
há-de ir depressa, acredito
p'rá coisa da sua mãe...!

José Gago

30/06/2012

O MONO

Rosto fechado
riso cínico, forçado...

Discurso hipocrita, estafado
tresandando a passado...

Pose de anjinho, mesquinho!
Ar decadente, de general sem patente...

Pão sem sal!
Comprometido
vendido ao capital...!

Eis o perfil
do mono senil
que nasceu e morreu
antes de Abril...!

Mono que Deus tem
lá para os lados de Belém...
Não sei bem, por alma de quem!

José Gago

29/06/2012

CAVACOS

De cavacos não quero falar
não gosto da cavacada
os cavacos, só p'ra queimar
pois não servem p'ra mais nada!

Seja cavaco ou cavaca
são uma espécie sem valor
um género de lenha fraca
que não dá chama nem calor...

Os cavacos causam mossa
por serem podres e fracos
quem gosta de lenha grossa
não passa bola a cavacos!

Bem pior que escorregar
ou pôr o pé num buraco
É alguém ter o azar
de tropeçar num cavaco...

Cavacos não têm graça
não interessam a ninguém
São uma espécie de má raça
só queimados ficam bem...!

José Gago

QUADRAS SOLTAS ( IV )

Quando estavas no atoleiro
chamaste-me, fui a correr,
agora estás no poleiro
finges nem me conhecer...!

Se a hipocrisia no fundo
servisse para engordares
não havia porta no mundo
que desse p'ra tu passares...!

Porque as coisas nunca são
do jeito que tu as pintas
estás sempre a dar razão
aos que te chamam troca-tintas...!

Com os feitos que realças
não me enganas às primeiras...
Até mesmo as notas falsas
parecem ser verdadeiras...!

De uma desfaçatez incrível
tens a vergonha dos cães...
Só que os cães são mais credíveis
que a vergonha que tu tens...!

Confesso que acho piada
quando o cão vais passear
o cachorro não diz nada
tu não páras de ladrar...!

José Gago

QUADRAS SOLTAS ( III )

Nem sempre as tuas graças
têm a graça que pensas
e às vezes dizes chalaças
que não são graças, são ofensas...!

Lindo discurso fizeste
e de forma acalorada...
Tanta coisa tu disseste
que ninguém te ouviu dizer nada...!

Eu não acreditava nisso,
afinal é verdadeiro
que tu só dás um chouriço
em troca dum porco inteiro...!

Qual o porquê, não me interessa
mas é estranho realmente,
que só trabalhes depressa
quando o patrão está presente...!

De rires tanto, até cansaste
no dia em que eu caí...
Com isso nem reparaste
o quanto o mundo riu de ti...!

Se eu sou lama, não sou notado
pois nunca cheiro como tal
já tu, mesmo perfumado
tens da lama o cheiro igual...!

José Gago

QUADRAS SOLTAS ( II )

Se não consegues pôr a nu
aquilo que insinuaste...
Cala essa boca e vai tu
para o sítio que me mandaste...!

Não me fales de honradez
porque isso em ti não abunda
enganaste-me uma vez
já não me enganas a segunda...!

Não te vejo a trabalhar
e vives na ostentação...?
Estou mesmo a adivinhar
qual a tua profissão...!

Se discutires com mulheres
sem voltares depressa as costas
vais dizer o que não queres
vais ouvir o que não gostas...!

Se tu na rua apareceste
com o teu nariz cagado
foi porque tu o meteste
onde não era chamado...!

Filho da puta! Me chamaste!
Mas com tal convicção...
Que eu julgo que tu pensaste
que eu seria teu irmão...!

José Gago

QUADRAS SOLTAS ( I )

Ao ver-te sair da treva,
tão despida e atraente
julguei que eras a Eva,
afinal és a serpente...!

Se fosse a ti, não me ria
daquela que vai ali...
Não vá ela dizer um dia
tudo o que sabe de ti...!

Cautela, escuta o meu rogo
deixa de tanto brincar
quem brinca assim com o fogo
acaba por se queimar...!

A tua vaidade irrita
o teu snobismo chateia
com essa cara bonita
és de todas a mais feia...!

Sempre que sais a terreno
eu caio na perplexidade...
Como é que um corpo tão pequeno
suporta tanta vaidade...?

As mulheres com mais gordura
não são menos cobiçadas...
São como a fruta madura,
desfazem-se quando apertadas...!

José Gago

27/06/2012

SAI DE CENA

Tu bem teimas...
Tu bem tentas...
Dobrar o cabo das tormentas...

Só que o vento não muda
e a corrente não te ajuda...!

Por isso tu corres
e te cansas...
Por isso tu recuas
e avanças...
Sem que faças nascer esperanças!

Sai de cena!
Tu andas desorientado
o teu sorriso é forçado
e o teu olhar está cansado...
Tens de admitir, que és um falhado!
Sai de cena!
Mas sai pelo teu pé,
porque remar contra a maré
não te leva a nenhum lado...!

José Gago

18/06/2012

SEXUALIDADES

O sexo é...

Raíz de todas as raízes...

Pétalas de todas as flores...

Semente de todas as searas...

Alimento de todas as fomes...

Epicentro de todas as paixões...

Maremoto de todos os desejos...

Carrossel
montanha russa em movimento...
Acto de amor
que eu faço contigo, em pensamento...!

José Gago

A CHAVE DAS PALAVRAS

Por mais que eu procure dentro de mim
não acho a chave das palavras...

Eu bem tento recordar-me
mas não consigo lembrar-me
onde deixei a chave das palavras!

E agora...?
O que é que eu vou fazer
sem palavras para dizer...?

Também é verdade que o mundo nunca escutou,
nem ligou às minhas palavras...
Que nunca ninguém leu,
nem entendeu, as minhas palavras...
Logo portanto
ninguém irá notar o meu silêncio!

Não ter palavras é estranho,
mas todo o mal tem emenda...
Por isso, vou fazer um desenho
e talvez o mundo me entenda...!

José Gago

NUNCA É TARDE

Sim, eu sei que é tarde...
Mas também sei que nunca é tarde
desde que não seja demasiado tarde...!

Poderá ser tarde para colher um amor-perfeito...
Mas nunca será tarde para semear um sorriso!

Poderá ser tarde para o enlevo duma canção...
Mas nunca será tarde para olhar o arco-íris!

Mesmo quando no horizonte a esperança arde
e o mar enrola em ondas de quimera...
É preciso acreditar que nunca é tarde
para acender em nós a Primavera...!

José Gago

PORREIRO, PÁ!

Porreiro, pá!
é viver num país a saque
à mercê dos galifões
e dos ladrões de fraque!

Porreiro, pá!
É esta toca de lobos esfaimados
ciosos de dinheiro e de poder...
Esta alcateia que nos usa e abusa
a seu belo prazer!

Porreiro, pá!
Este cantinho esplendoroso
onde a justiça é um gozo...
E o crime, já é quase um acto honroso!

Porreiro, pá!
É ter um milhão de desempregados!
É ver os reformados com os subsídios cortados!
E a fome a alastrar por todos os lados...!
Porreiro, pá!

José Gago

16/06/2012

CIDADÃO LIVRE

Tenho os meus dados registados
e controlados, por todos os lados...
Mas dizem-me, que eu sou um cidadão livre!

Tenho ficha no emprego
nas Finanças
na Segurança Social
Etc & Tal...
Mas dizem-me, que eu sou um cidadão livre!

Sou controlado pelo Governo
pela GNR, pela PSP...
Sou vigiado pelo SIS, pelo SEF
e não sei mais quê...
Mas dizem-me, que eu sou um cidadão livre!

É claro, que eu sou um cidadão livre!

Livre para ser roubado!
Explorado!
Maltratado!
Até ao dia em que estiver morto
e enterrado...!

José Gago

A FAIXA

Socorro!
Os meus filhos têm fome!

Assim dizia a faixa negra
ontem exibida
em plena avenida!

Os meus olhos envergonhados, vexados
continuam fixados no olhar frio e vazio
daqueles dois inocentes,
carentes de amor e pão...
Que ali jaziam esfaimados,
prostrados, de corpitos no chão!

Estava ali, o retrato mais pungente
duma sociedade decadente!
Estava ali, viva e patente
a dignidade apodrecida, de tanta gente!

Em plena capital de Portugal
uma faixa banal...
Uma tragédia real...!

José Gago

11/06/2012

OS BOYS DA VILANAGEM

São os boys da vilanagem
assaltantes do poder
há que travar e varrer
esta infame ladroagem!
               I
Nasceram por sorte sua
de acordo com sua lavra
talhados em corno de cabra
e o cú voltado p'rá lua...!
Sem justiça que obstrua
sua aviltante voragem
esta horrenda sacanagem
chafurda na podridão...
Corruptos até mais não
são os boys da vilanagem!
                 II
Eles são filhos e afilhados
de barões bem conhecidos
de pomposos apelidos
de má história recheados...
Foram meninos mimados
sem nunca nada fazer
só tiveram que aprender
com aqueles que os inspiraram...
E depressa se tornaram
assaltantes do poder!
              III
Na base do compadrio,
do tacho e do amiguismo
promoveram o clientismo
e ganharam poderio...
A corrupção espandiu
com a robalheira a crescer
o país a empobrecer
e a fome já instalada...
Tão tratante canalhada
há que travar e varrer!
              IV
Jamais na vida me iludo
com essa raça de gente
só que eles infelizmente,
são os donos disto tudo...!
Nem necessitam de estudo
p'ra cursar a malandragem
só temos que ter coragem
para lhes fazer a cama...
e acabar de vez com a mama
desta infame ladroagem!

José Gago

FOLHA ESVOAÇANTE

Não sou Camões, nem Pessoa
nem Torga, nem Saramago,
o meu nome é José Gago
sou folha,que no vento voa...
                   I
Não sou intelectual
nem curto essa fantasia
e se me dou à poesia
é por um dom natural...
Uma premissa especial
com que a vida me abençoa
um grito que em mim ecoa
e me dá certa vaidade...
Dentro da minha humildade
não sou Camões, nem Pessoa!
                   II
Eu gostava com certeza,
de ser poeta afamado
um escritor laureado
de grande fama e nobreza...
Porém, esta singeleza
dos versos que eu vos trago,
traduzem-se como um afago,
que eu ofereço a todos vós...
Sabendo que não sou Queiroz
nem Torga, nem Saramago!
                    III
Sou um poeta popular
porque mais não posso ser
mas sinto honra e prazer
em cumprir o meu lugar...
Dentro de mim a pulsar
há um desejo que trago
que é, eu nunca deixar vago
este lugar que hoje é meu...
Quero ser simples, mas ser eu
o meu nome é José Gago!
                  IV
Escrevo a vida e o amor
a revolta e o sentimento
nunca me falta argumento
nem musas ao meu dispor...
Desdenhar do meu valor
não me afecta, nem magoa,
a poesia perdoa
qualquer azia sentida...
Já no Outono da vida
sou folha que no vento voa...!

José Gago

03/06/2012

A CORRERIA DA MARIA

Toca o despertador
hora de ir à vida...
Acorda a Maria
para mais um dia
de longa corrida...

Mal abre os olhos
sente-se cansada...
Mas que adianta...?
Logo se levanta
bem determinada!

Suspira, boceja
profere uma praga
aconchega os seios
que ninguém afaga...

Ela é mãe solteira
mas mãe a valer...
Não caíu na lama
tem um filho que ama
mais amores, não quer!

Já bem acordada
e com decisão
acende a coragem
começa a função...

O duche a correr...
Vestir, calçar...
A cama por fazer
o leite a aquecer
o pão a torrar...

O relógio que avança
sem nunca parar
e a Maria correndo
para não se atrasar!

Vai ao quarto
acorda o filho...
Está rabugento...
Hó! Que sarilho!

Veste-o à força...
calça-o também...
O miúdo berrando
agarrado à mãe...

Mas ela, coitada
com calma aguenta...
Está acostumada
já nem se lamenta...!

Olha p'ró relógio
já está atrasada...
Pega na maleta
e sai apressada...

Pede um beijo ao filho
que lhe dá o nega...
Senta-se ao volante
o carro não pega!

A Maria então
entra em depressão
e solta um palavrão...!
Mas o motor lá pegou
e a Maria acalmou...!

Corre o seu destino...
Cumpre o seu calvário...
E entrega o menino
lá no infantário...

Entra no escritório
sente-se em sufoco
saúda um colega
recebe um piropo...

Mas ela nem olha
nem sequer liga...
Piropos p'ra ela
é tudo cantiga!

O dia decorre
aumenta a agonia
e a Maria ansiando
p'lo final do dia...

Ela é tão novinha
mas tão boa mãe!
Só pensa no filho
que é tudo o que tem!

Hora de saída!
Sai a toda a pressa...
E a sua corrida
logo recomeça...

Recolhe o petiz
de regresso ao lar...
Abraça-o, feliz
deita-se a sonhar...!

Pobre Maria!
Que vida em pedaços!
Ainda uma criança
e um filho nos braços!

Trabalha, trabalha
com perseverança...
Chora quando calha
mas não perde a esperança...!

José Gago

02/06/2012

O VÍRUS

É imperioso!
É urgente!
Que alguém descubra
que alguém invente
um remédio, que cure a minha gente!

Talvez um antibiótico...
Talvez uma vitamina...
Talvez cortisona, ou penicilina...
É preciso matar este vírus
que nos contamina!

É um vírus fatal
letal...
É febre, é infecção...
Grassa em Portugal
chama-se, corrupção!

José Gago

RESGATE

Por onde andarão perdidos os meus passos
que não reconhecem jamais, o chão que pisam...?

Por onde andarão perdidos os meus olhos
que não enxergam jamais, a deversidade das cores
nem das flores...?

Por onde andará perdido o meu pensamento
que não pára de correr atrás do vento...?

Eu próprio me sinto perdido
neste mundo desconhecido...

Por isso me vou sentar
nesta rocha à beira mar
e esperar...
Esperar que o dia amanheça
e a vida apareça, p'ra me resgatar...!

José Gago

PAPÉIS

Neste teatro de cordel
que o nosso mundo aparenta
é fundamental o papel
que cada um representa...

Como é fácil de perceber
há muita gente que não sabe
o que anda cá a fazer
nem o papel que lhe cabe...

Os actores não são iguais
e por isso há sempre empenos
pois uns, tem papel a mais...
outros, têm papel a menos...

Há quem represente com garbo
mesmo sem tirar o curso
há os que fazem papel de parvo
e os que fazem figura de urso...

Também há cenas mesquinhas
que acarretam confusões
porque há sempre "figurinhas"
que se armam em "figurões"...

Mas talvez tudo mudasse
e acabasse o aranzel
se cada um se esforçasse
por cumprir bem o seu papel...!

José Gago

01/06/2012

MEU EX-AMIGO

Olá, meu ex-amigo!
Amigo falso, despeitado...

Eu sei que estás aí, olhando p'ra mim de lado
por eu trazer aqui ao peito
este meu cravo encarnado!

Afinal, um cravo igual
ao que tu, meu ex-amigo, em tempos também usaste...
Mas que depois, atraiçoaste!

Poie é, meu ex-amigo!
Foste iludido
coagido, por outros amores...
E deixaste-te embriagar
pelo perfume de outras flores...

Acontece, meu ex-amigo
que, flores há muitas...
Mas simbolos de Abril, só há um!
O cravo rubro, e mais nenhum!

José Gago

BEBEDEIRAS DE AMOR

Não tentes embriagar-me
com o vinho que há nos teus lábios...

Decididamente, ele não reune a qualidade
nem o sabor da minha preferência...
O teu vinho, tem a cor turva da falsidade
o acre azedo da mentira
e o travo amargo da ausência...!

Eu bebo, sim!
Mas só bebo do que gosto!
E eu gosto é do néctar adamado da paixão...
Não gosto de zurrapa, com sabor a podridão!

Não tentes enganar-me,
com o vinho martelado dos teus lábios...

Eu não me embriago de ilusão
nem bebo com despudor...
Embora que não pareça
apenas perco a cabeça
em bebedeiras de amor...!

José Gago

GRITO SENTIDO

Segundo a voz do povo...
Quem não se sente, não é filho de boa gente!
E quem cala, consente!

Por conseguinte...
Eu, que me sinto enganado...
Frustrado...
Defraudado...
Não posso ficar calado!

Tudo porque o país, que eu trago aqui na minha mão...
Que é o meu país de coração
onde a democracia venceu...
Não é, nem de perto nem de longe
esse país, que Abril, um dia me prometeu...!

Este país abúlico, tristonho
sem alma nem pujança...
Não é o mesmo país, sonhado
desenhado
nos alvores da minha esperança!

Daí, que eu seja impelido a soltar ao vento
este meu grito sentido
como quem cospe um lamento...

Quem foi que espezinhou os cravos de Abril...?
Quem foi que mutilou as rosas de Maio...?

Porquê, não se houvem mais, as canções de Liberdade...?
Nem os poemas, dos poetas da minha saudade...?
E porquê, este espesso manto de angústia
cobrindo a minha cidade...!

Pois que voltem os poetas!
Os cantores e os pintores!
Porque é preciso pintar um arco-íris com novas cores...
É preciso escrever poemas de mil amores...
E é preciso enfeitar as ruas, de canções novas e flores...!

Este país, que eu trago aqui na minha mão...
Que é o meu país de coração...
Não é o país que eu aprendi
nas canções do Zeca, nos poems do Ary
e tantos outros, que eu ainda não esqueci...!

Quem não se sente, não é filho de boa gente!
E quem cala, consente!

Por isso eu sinto!
Por isso eu falo!
Por isso eu não me calo!

Alguém me prometeu um país novo!
Alguém me prometeu um país diferente...
Mentiram-me!
Não posso estar contente!

José Gago

Á ESPERA DO TEU POEMA

Sem revolta, nem desamor,
eu tento não desesperar com a ausência do poema
que um dia, tu me prometeste...

Mas não deixo de perguntar:
Por onde andas...?
Onde foste parar...?
Será que foste para tão longe
que nem as musas te conseguem alcançar...?

Acorda!
Reencontra-te com a vida!
E procura no vento os aromas desvanecidos...

Traz de volta a magia, da melodia
bem como o encanto dos madrigais...
Porque sem isso
não haverá poesa, nem recitais...!

José Gago

VAI DAR BANHO AO CÃO

Não vale a pena vires lembrar-me,
nem relatar-me os meus defeitos,
porque eu sei bem, que não sou nenhum santo...

E também não compreendo
como é que tu te podes considerar um Deus...
Sabendo eu, que os teus pecados
são tantos e tão graves como os meus!

É claro, que tu vais à missa todos os dias!
És um devoto e vives em permanente oração...
Mas de que serve isso...? Se, como homem
a tua conduta não se coaduna com a tua devução...?
A não ser, que...
a inveja, a trucolência e a maledicência,
sejam mandamentos da tua Divina Providência...

Mas tudo bem!
Se a tua mediocridade se arroja
em ser superior à tua devoção...
Só peço que me desampares a loja
e que vás dar banho ao cão...!

José Gago

30/05/2012

VISÕES E PREVISÕES

O povo fala...
O povo diz...
O povo pergunta
para onde vai este país...?

Ms o país parado
permanece calado
entre nuvens negras
e lixo amontoado!

Entretanto, os figurões
os barões, e os tubarões...
Vão tendo visões
e fazendo previsões...!

Eles falam de esperança
como se ainda houvesse esperança...

Eles falam de futuro
como se fosse possível haver futuro...

Não sei com que olhos é que eles vêem
aquilo que eu não consigo...
Mas deverá ser com um olho
que eu agora aqui não digo...!

José Gago

COMO EU GOSTAVA

Meu Deus!
Como eu gostava de ser pintor!
Ter a arte e o traço
de um Dali, ou de um Picasso
e poder pintar o mundo de outra cor!

Ai, se eu tivesse o privilégio
ou sortilégio
de pintar o sonho que me sustenta...
Certamente, que esta vida, não seria tão cinzenta!

Nem que fosse necessário roubar as cores do Arco-Ìris
eu haveria de levar por diante esta minha vontade...
E pintaria o negro deste mundo
bem da cor da felicidade!

José Gago

ENCANTADOR DE SERPENTES

Para quê, fazeres-me acreditar num caminho de rosas
se há um espinho que se crava nos meus pés
em cada passo que dou...?

Para quê, prometeres-me uma seara de trigo loiro
se tudo o que lanças à terra
são sementes contaminadas pela hipocrisia...?

Para quê, anunciares um céu azul
se apenas sabes pintar nuvens cor de breu...?

Por favor! Pára de fantasiar!
Tu não estás numa pista circence...
E nenhum dos teus truques, já me convence!

Desiste!
Não pretendas ser um encantador de serpentes...
E cala-te
porque quanto mais falas, mais mentes!

José Gago

29/05/2012

UM GIRASSOL VERMELHO

Eu não folgaria em ser uma rosa
nem um lírio...
Tão pouco um malmequer...

Não gostaria de ser jasmim, ou alecrim
nem outra flor qualquer
que enraizasse dentro de mim...!

Eu gostaria sim, de ser um girassol...
Grande e lindo como o sol...!

Um girassol gigante,
brilhante como um espelho...
E que em vez de amarelo
fosse vermelho...!

Vermelho de vitória!
vermelho de alegria!
Que tivesse folhas de amor
e pétalas de magia...
Que as suas sementes voassem
e germinassem aos milhões, em cada dia!

Pudesse eu ser essa flor rara
de tão sublime simplicidade
e faria deste mundo uma seara
vermelha de Liberdade!

José Gago

É DEMAIS...

Sintonizo a rádio
folheio os jornais
e vejo os telejornais...
E todos os dias
as noticias são sempre iguais!

São os arraiais
das campanhas eleitorais...

São as politicas iguais
dos partidos principais...

São as reformas estatais
e as trapalhadas governamentais...

São as negociatas tradicionais
dos corruptos imorais...

São os escândalos habituais
das figuras ministeriais...

São as fugas de capitais
para os paraísos fiscais...

São as reformas brutais
duns certos fulanos tais...

São os roubos tradicionais
das derrapagens orçamentais...

São as falcatruas monumentais
que nunca chegam aos tribunais...

São os processos judiciais
que mais parecem carnavais...

São as leis especiais
que protejem os marginas...

São os impostos brutais
e os cortes salariais...

São os golpes fatais
nos direitos sociais...

São as fortunas colossais
a engordar, cada vez mais...

E é um povo aos ais
a ser devorado pelos chacais!

E perante tantas coisas anormais
só nos apetece gritar...
Chiça! Que é demais!

José Gago

28/05/2012

OS FRACOS

Caso aceites ser um caco
sem ambição de vitória
serás toda a vida um fraco...
E dos fracos, não reza a história!

Podes ser homem de bem
no seio do mundo opaco
mas nunca serás ninguém
caso aceites ser um caco!

Se não tentares abrir a porta
do sucesso e da glória
não passas da cepa torta
sem ambição de vitória...

Se o viver não for risonho
a vida torna-se um saco...
Se não agarras o sonho
serás toda a vida um fraco!

Ser fraco, é ser esquecido
na lixeira da memória...
Porque um fraco,é um vencido
dos fracos não reza a história!

José Gago

SONHO AZUL

Desperto dos meus sonhos e pesadelos,
em plena Serra do Louro, tesouro
com quem partilho o silêncio da noite...

Esfrego os olhos, embriagados de luz
e faço uma vénia ao velho moinho
meu pergaminho...
Convidando o sol, a entrar devagarinho...!

Com um pequenino salto
chego ao Castelo, belo e altaneiro
de onde posso abraçar o mundo inteiro!

Estendo então, o meu olhar feliz
ao Vale dos Barris...
E atiro um sorriso à Serra de S.Luis!
De seguida, abraço a Quinta do Anjo
cumprimento a Lagoinha
e dou uma piscadela de olho, maliciosa
à Vila de Pinhal Novo
a nossa linda vizinha...!

Olhando mais além, descortina-se o Lau...
Lagameças...
Marateca, Poceirão...
Tudo cepas do bom vinho
e fornos do bom pão...
Onde o ar sabe a moscatel e a queijo de Azeitão!

Sigo depois a minha viagem ocular rumo ao sul
e o que vejo deixa-me aturdido...
Estarrecido!
Cego de tanto azul...!

Vejo o Sado a espreguiçar-se, vaidoso
voluptuoso...
E pergunto a Deus, porque é que deu
tanta beleza
Aquele rio da cor do céu...!

Tudo em meu redor é altivez, embriaguês
um sonho azul de mar e serra...
Lá no alto, o sol aquece
e até parece, que o próprio sol
não é tão lindo, como a minha terra...!

José Gago

25/05/2012

SOU DE OUTRO MUNDO

Por favor, oiçam-me!
Eu não pertenço ao vosso mundo...
Eu sou um caminheiro em viagem
e estou aqui, apenas de passagem!

Eu sou de outro mundo!
Um mundo diferente
com outra gente...

Eu pertenço a um mundo honesto
civilizado...
Onde não estou só, nem mal acompanhado!

Onde não existem propagandistas do discurso fatela,
nem moralistas de meia tigela!

Sem parasitas criminosos
nem políticos hipocritas, vaidosos e mentirosos!

Eu sou de outro mundo!
Feito de verdade e fraternidade...
Onde se cultiva o respeito e a dignidade!

Eu não pertenço, nem quero pertencer
ao vosso pãntano lodoso, mal cheiroso,
do desprezo e do desdém...

Porque o meu mundo, é meu!
Vivo lá eu e mais ninguém...!

José Gago

APENAS UMA PEDRA

Tal como uma pedra
que se tivesse desprendido de um penhasco
e rolasse vertiginosamente encosta abaixo...
Assim tu te desprendeste, do alto da tua vaidade...

Rolaste pela encosta da vida
e hoje permaneces imobilizada,
bem no fundo da ravina...

Que importa agora, que tenhas sido
um mármore bonito, e bem polido...?

Que importa agora, que tenhas sido um pedestal
num qualquer palácio real...?

Que importa agora, os pés que te pisaram,
ou as mãos que te afagaram...?

Que importa agora, o verniz afamado
que deu brilho ao teu passado...?

Quebrada, prostrada
sem brilho nem graça...
És apenas uma pedra
aos olhos de quem passa...!

José Gago

AMANHÃ, MEU AMOR!

Amanhã, meu amor!
Se a tarde estiver amena, sem vento nem frio...
Vou convidar-te, para um passeio
no jardim junto do rio
onde há tantos anos, o nosso amor floriu...!

Sentados os dois,
num daqueles bancos entre os arbustos
eu abraçado a ti, e tu abraçada a mim...
Vamos recordar um pouco da nossa história de amor
passada nesse jardim...!

Depois, caminharemos ambos
até ao velho freixo junto da ponte,
à sombra do qual
nós trocámos um dia o nosso primeiro beijo...!
E foi também aí, que eu recitei para ti
aquele poemazinho meio pateta...
Que eu escrevi para ti
quando o teu amor, me inspirou a ser poeta!

Chamava-se "Menina dos olhos tristes"
E ainda me lembro dos primeiros versos...
..................
Menina dos olhos tristes
manda essa tristeza embora
anda cá para os meus braços
que eu quero beijar-te agora...

Eu quero beijar-te agora
quero sentir teu calor
menina dos olhos tristes
quero ser o teu amor!
......................
Amanhã, meu amor!
Voltaremos a debruçar- nos, no varandim da velha ponte
fazendo reflectir a nossa imagem na água
de rosto colado, como fazia-mos no passado...
E quem sabe?
Ainda veremos por lá, o nosso peixinho encarnado...

Amanhã, meu amor!
Quero caminhar contigo de mão dada...
Quero ver-te rir
quando eu disser uma piada...
Quero dizer-te, obrigado!
Por me teres aturado, a vida inteira...
E por fim, atrevido, segredar ao teu ouvido
que te amo, da mesma maneira!

Amanhã, meu amor!
Quando a noite escurecer...
Felizes, vamos dizer:
Que bom! Recordar é viver...!

José Gago

23/05/2012

A VELHICE

Ser novo e ter saúde,
é a suprema virtude
que na vida nos é dada...
Mas quando chega a velhice
o viver vira chatice
e a vida não sabe a nada...!

Para o novo, o sonho impera
todo o ano é Primavera
não há dores, nem desalento...
Para o velho é sempre Inverno,
os dias tornam-se Inferno
e as noites são um tormento!

Como uma onda em crescendo
os males vão aparecendo,
vão-se o ânimo e a alegria...
Vão-se o desejo e a rigidez,
faz-se agora de mês a mês
o que era feito dia a dia...

Vem o colesterol, sobe a tensão
vêm os zumbidos e a má circulação
as cataratas e o reumatismo...
Vêm os diabetes e as tonturas
as alergias e as tremuras
a angústia e o abismo...!

No Outono de uma vida
o sol passa de fugida
não há esperança, nem pachorra...
Sem ter como nem porquê
por mais voltas que se dê
chegar a velho, é uma porra!

José Gago

OS MUROS DA VERGONHA

E de repente, o muro caíu!
A vergonha ruiu...
O mundo aplaudiu...
A Liberdade, sorriu!

E no entanto...
Outros muros existem!
Outras vergonhas persistem!
Currais
limitadores de ideais...
Porque os muros
são todos iguais!

Não existem muros
que personifiquem dignidade!
Não existem muros
que dignifiquem a humanidade!

Abaixo os muros!
Viva a Liberdade!

José Gago

JANELA DO PASSADO

Hoje acordei sentimental!

Lágrima ao canto do olho...
Uma nuvem na alma...
E um soluço debruçado
á janela do passado...!

Não sei se terá sido sonho
ou pesadelo...
Não sei se foram horas, ou minutos...
Só sei que acordei agitado
embrenhado, no mundo mágico da minha infância...
Como se eu tivesse voltado
a esse mundo doirado
diluído, na memória da distância...!

Lembro-me de ter voltado a respirar
o verde-vivo dos trigais...
De ouvir de novo a voz do vento
na ramagem dos pinhais...
E, Meu Deus!
Como eu corri pelos campos
livre, como os pardais...!

De desvario, em desvario
e em rodopio...
Andei por todos os cantos e recantos
que foram outrora
bastiões dos meus encantos!

As adegas, os celeiros...
As hortas, os moinhos altaneiros...
E claro! A minha velha escola!
Essa casa grande e fria
onde aprendi a ler e escrever...
e de tantas recordações
que jamais posso esquecer...!

E lá estavam, o Chico e a Rosa...
O João Sapateiro e a Mariana...
O Serôdio e a Soledade...
E tantos outros
da minha saudade...!

E como poderia eu esquecer-me
da minha professora Adelaide...?
Quando ela nos gritava com a sua voz de trovão...
Meninos, muita atenção!
O Estado Novo - é o tema da redacção!

Não sei se terá sido sonho
ou pesadelo...
Não sei se foram horas, ou minutos...
Só sei que acordei sobressaltado, esquisito...
com uma voz a chamar-me:
Ó ZÉZITOOOOO...
Era a voz de minha mãe!
Impossivel, não reconhecer aquele grito!

Hoje acordei sentimental!

Lágrima ao canto do olho...
Uma nuvem na alma...
E um soluço debruçado
à janela do passado...!

José Gago

UM ARCO-ÌRIS CINZENTO

Olho para o campo triste, e ressequido
despido, de flores e erva verde...
Nem um lírio!
Nem uma papoila!
apenas cardos,  a morrer à sede...!

Entretanto, a bruma que se adensa em meu redor
impede que eu vislumbre
a tal luzinha, ao fundo do túnel...
Pois tudo o que os meus olhos alcançam
é um pedaço de céu, totalmente, vazio de estrelas...!

Sobrevoando a campina
somente os abutres
e outras aves de rapina!

Pergunto ao vento, onde estão as pombas brancas!
Onde pára a cegonha...
O cartaxo, a cotovia...
Mas o vento afasta-se, triste
silencioso
espalhando a melancolia...!

E enquanto o vento emudece, e não responde...
um arco-íris, cinzento
que leva o doirado do sol, não sei para onde...!

José Gago

22/05/2012

A TUA MADRUGADA

Foi há muito tempo, eu sei!
Mas eu recordo
como se tivesse sido hoje!

Como se tivesse sido ontem...
Em qualquer outro dia...
Em qualquer outra madrugada...
Tal a avidez com que eu bebi
o mel da tua chegada!

E tu chegaste assim
de mansinho, sem ninguém te esperar...

Trazias vestida uma farda de ilusão
e na mão, uma espingarda de luar...
Com um cravo no cano
pronta a disparar!

Trazias os olhos rasgados,
pintados com as cores da utopia...
Trazias no peito
o clarão dum novo dia...
E nos lábios
os versos de uma nova poesia!

Tudo em ti era novo!
Até a maneira como pronunciavas
a nova palavra povo!

Povo que te cantou
e gritou o teu nome, até à exaustão...
Que desfraldou bandeiras proibidas
e abriu as portas da prisão...
E no fim te guardou
para sempre em seu coração!

Foi há muito tempo, eu sei!
Mas é no tempo que o teu nome perdurará...
E mesmo na memória mais cansada
a tua linda madrugada
ninguém mais esquecerá!

José Gago

SAFIRA

Não te conheço!
Nunca te vi, nem sei o teu nome
mas sei que existes!

Imagino-te
linda como o sol...
E cândida como uma flor
com pétalas de amor!

Sonho-te, cintilante
tal uma pedra preciosa...
Por isso te chamo Safira
jóia, botão de rosa!

Se um dia eu te encontrar
em qualquer lugar
onde não haja vento, nem escuridão...

Espero poder beijar-te
e depois guardar-te
em meu coração!

José Gago

TENHO PENA

Nunca perdi
nem quero perder o meu tempo
a lembrar o que se passou...
Nem chafurdar
no motivo que nos separou...!

Também não me preocupo
nem nunca me preocupei
em saber
se foste tu que erraste
ou se fui eu que errei...

Digo-te somente, que tenho pena!
Pena que as nossas vidas
tenham sido assim atiradas ao fundo...
Implicando que o nosso possível reencontro
tenha lugar, talvez só no outro mundo!

Tenho pena por mim e por ti...
por tudo o que se passou
e não se passou...
Mas tu és como és
e eu, sou como sou!

Resta-me a consolação do meu sangue correndo em ti
e a certeza de amar-te
e nunca odiar-te!

José Gago

UM RESTO DO TEMPO

É um facto indesmentível,
que o meu aparecimento neste mundo
se deveu a um acidente do acaso...

Por descuido dos meus pais
eu fui uma espécie de encomenda
entregue fora de prazo!

E talvez por ter nascido assim, fora de tempo,
sou levado a pensar
que eu no fim não serei mais
do que um resto do próprio tempo!

Sinto que sou assim
como um resto de mosto espremido
caído do lagar
sem ninguém esperar...
Uma semente meio apodrecida
que na terra, perdida
acabou por germinar...!

E é por causa deste pensamento
que há muito me abraçou
que eu me acho um resto do tempo...
Dum tempo que já passou!

José Gago

O ZÉ - PÉ DESCALÇO

Com praias nos neurónios
e sereias no olhar...
O Zé - pé descalço de Portugal
sente-se um pardal pronto a voar...

Vai de férias!
Todo ele é presunção...
Ar de turista...
Entra no avião
e diz umas lérias
com ar fanfarrão
dum galo sem crista...!

Com poucas maneiras
cospe baboseiras...
Deixa as dívidas
leva as peneiras...
E muitas misérias
nas algibeiras!

Óculos espelhados
camisa de ramagem...
Ele está eufórico
metiórico...
Sente-se, o Rei daquela viagem!

E o Zé lá vai!
Vai para o México...
Vai para Cuba...
Brasil, Republica Dominicana...
O Zé é rico
por uma semana!
.................
Uma semana...
Depressa passou!

O Zé regressou
as férias findaram...
As dívidas aumentaram
e o Zé constatou
que tudo piorou!

Ele começa a somar
e nem quer acreditar
no que tem para pagar...

A renda da casa, o carro,
o computador, a televisão...
A escola dos filhos
o peixe, a carne e o pão...
A água, a luz e o gás
mais tudo o que vinha de trás...
Meu Deus!

E o Zé parou!
Pensou...
E chegou à seguinte conclusão:
Deixa p'ra lá!
O melhor é não stressar
e começar a pensar
nas férias do próximo verão...!

Afinal, a vida são dois dias
e o viajar sabe tão bem...
Quanto à vergonha
é só p'ra quem a tem...!

José Gago

21/05/2012

O CASINO

Que a gente queira, ou não queira
este mundo é um casino
onde passamos a vida inteira
a jogar nosso destino...

À volta da grande roda
todos os trunfos são jogados
só que uns, rapam a massa toda
e outros, ficam depenados...

Há quem vá a jogo sem nada
mas em hora tão oportuna
que a sorte, nessa jogada
lhe abre a porta da fortuna...

Também há quem jogue forte
apenas por presunção
e ao brincarem com a sorte
perdem com o jogo na mão...

Nem sempre se compreende
esta roleta azarada
mas ás vezes tudo depende
duma boa, ou má jogada...

Quanto a mim, estou conformado
já nem me iludo com truques
porque o jogo está viciado
e a mim, só me sai duques...!

José Gago

UM PAPO COM A SAUDADE

Já o sol se está escondendo
e a pouco e pouco a cidade
veste o negro a que eu me ligo
Já vejo a noite descendo
logo mais, vem a saudade
bater um papo comigo...

Com o cunho que a denota
vem discreta e sem temor
matar o tempo a meu lado
Entre um copo e uma anedota
falamos coisas de amor
e até cantamos o fado...

Mas se por casualidade
eu lhe falar do outrora
quando contigo vivi
No mesmo instante a saudade
levanta-se e vai-se embora
por não querer falar de ti...!

José Gago

A MINHA QUARTA CLASSE

Eu sei que, como instrução
a minha quarta classe
será demasiado insignificante...
Porém, e ao longo da vida
ela sempre se revelou, para mim
um requisito, deveras importante...!

È inegável, que sinto pena de não ter ido mais alem
como era o desejo de minha mãe...
Mas assim, com a minha quarta classe
também me sinto bem...!
Porque dentro da sua simplicidade
ela tem sido a minha companheira de toda a vida
e tem praticamente, a minha idade...

Eu amo a minha quarta classe!

Ela esteve na minha adolescência
na minha juventude...
No serviço militar
na guerra do ultramar...
Sempre me ajudou a trabalhar
e nunca, nunca
deixou de me acompanhar...!

Com certeza, que em muitas ocasiões
e como é natural
senti pena de não poder ser um intelectual...
Mas a verdade, é que a minha quarta classe
nunca me deixou ficar mal...!

Com ela, estive no fado
ajudou-me a ser fadista...
Com ela, escrevi canções
marchas populares, quadros de revista...
E com a minha quarta classe
quase me tornei um artista...!

Até que um dia
quando se abriram em mim, as portas da poesia...
Foi mais uma vez a minha quarta classe
que me ajudou a mostrar ao mundo
o pouco que eu sabia...!

E assim, lado a lado
rasgando as brumas do tempo...
Eu e a minha quarta classe, de braço dado
vamos cumprindo o nosso fado, ao sabor do vento...!

José Gago


16/05/2012

JANELA SEM CORTINA

Frente à minha janela sem cortina
passa gente
ausente...
Vestida de silêncio!

Gente que se move como sombras!
Silhuetas sem rosto
em desatino...
Que caminham na bruma
sem vontade, nem destino...!

São corpos moribundos
mentes em declínio
tropeçando a cada passo...
São desejos ardidos
olhos perdidos
no tempo e no espaço...!

Ninguém olha...
Ninguém vê...
Ninguém fala...
Ninguém canta...
Ninguém sonha...

Frente à minha janela sem cortina
passa gente
ausente...
Vestida de silêncio!

José Gago

CONFLITO

Porque passaram a ser demais
o confronto e o desentendimento
já não posso esconder mais
o meu conflito com o tempo!

Conflito, que na verdade,
entre nós já é antigo...
Só que na actualidade
o tempo na realidade
entrou em guerra comigo!

Confesso que noutro tempo
quando eu era rapagão...
Eu nunca liguei ao tempo
nunca lhe passei cartão...

Mas agora que gosto dele
e até lhe quero bem...
É o tempo que me despreza
como se eu fosse ninguém!

Trata-me de forma cruel
como se eu fosse um papel
atirado p'rá lixeira...
Um bibelot rejeitado,
inútil, abandonado,
esquecido na prateleira!

Mas o tempo é mesmo assim
vingativo e prepotente...
Está a vingar-se de mim
como faz com toda a gente...!

José Gago

MESMO ASSIM...

Não sou,
nem nunca fui muito dado
a essa teoria,
de que se nasce com o destino marcado...

Como se o destino fosse culpado
de eu ter sido toda a vida
um burro, acomodado!

Comodismo!
Foi esse o único defeito
que me impediu
de ser alguém de jeito...

Mesmo assim...
Sem grandes alardes, nem glórias
ainda consegui algumas vitórias...!

Consegui sempre trilhar
o caminho da honradez e da verticalidade...
Sem hipotecar nunca
a minha independência, nem a dignidade...!

Consegui estar sempre do lado oposto
da calúnia, e da injustiça...
E separar-me da hipocrisia, ou da amizade postiça!

Consegui por fim
através da minha poesia
dizer ao mundo muitas coisas
que de outra forma, nunca as diria...!

José Gago

VOU PARAR DE SONHAR

Porque sou filho do sonho
sempre vivi a sonhar...
Toda a minha vida foi um sonho
vivido,sem acordar...!

Inventei estrelas
cantei trovas
colhi cardos e açucenas...
E num rio de ideias novas
diluí mágoas,e penas!

E tudo por um fim...
Que o sonho não se extinguisse
dentro de mim!

Porém, a minha luta foi em vão...
Porque mesmo sem querer
acabei por ceder
ás garras da desilusão!

Afinal, de que serve gritar
se as mentalidades estão surdas...?
De que serve erguer a voz
se a cobardia prevalece...?
De que serve ter pincéis e tinta
se não há papoilas para pintar...?
De que serve ser poeta
se ninguém canta canções de amor...?

Desisto! Vou parar de sonhar!

Sonhos, são somente sonhos
Castelos de fantasia...
Podem durar toda a vida
ou apenas só um dia...

José Gago

DESEJO

Eu queria adormecer
e acordar
num outro lugar...

Onde os homens se abraçassem
em vez de lutar...
Onde as aves cantassem
nas ramagens do luar...
E onde as crianças brincassem
com orquídias no olhar...!

Eu queria adormecer
e acordar
num outro lugar...

Onde os rios corressem
num leito de fraternidade...
Onde os ideais se fortalecessem
com os laços da lealdade...
E onde os sonhos florescessem
em canteiros de Liberdade...!

Eu queria adormecer
e acordar
num outro lugar...

Onde se respirasse tempo novo
sem nuvens, nem escuridão...
Onde os campos em renovo
parissem flores e pão...
E onde a voz sofrida do meu povo
fosse enfim, voz da razão!

José Gago

LEMBRANÇAS

É um facto,
que quando somos crianças
há coisas que acontecem
que depois pela vida fora
nunca mais se esquecem...

Por exemplo:
Por muitos anos que eu possa viver
nunca mais irei esquecer
o dia em que eu entrei para a escola...
Sapatinho no pé
batinha branca,
um caderno e um lápis, numa pequena sacola...

Oh! Lembro-me, como se tivesse sido ontem!

Rezingando, choramingando
levado pela mão de minha mãe
lá fui eu a caminho...
Vestido de anjinho...!

Naquele tempo
em que a miséria inundava as aldeias
sufocando as pessoas no seu abraço...
Todo o mundo passava fome
andava roto
e de pé descalço!

Por isso
quando eu cheguei e olhei
para aquele grupo de meninos e meninas
de aspecto miserável e olhar assustado
Lembro-me, de me ter sentido como que deslocado...
Talvez envergonhado...
Porque entre todos
eu era o único, que vinha calçado!

Senti que os meus futuros companheiros
me olhavam, como se eu fosse um previlegiado...
O que me deixava visivelmente atrapalhado!

Principalmente, porque isso não era verdade!
Eu era igual a eles todos
sofria a mesma realidade...
Quanto aos sapatos...
Eles eram apenas uma pequena vaidade dos meus pais...
Uma mariquice, a que eu não ligava
e que no fim, só me atrapalhava...!

Primeiro, porque eu não estava acostumado a essas peneiras...
E depois, porque eram um empecilho, para as minhas bricadeiras!

Eu gostava era de correr descalço...
Subir às arvores
chapinhar nas poças de água
dar pontapés nas bolas de trapo...
Ora, de sapatinho calçado
eu sentia-me, um pequeno animal acorrentado...!

Então, a solução
foi espontânea e natural
E não fez mal...

Quando à tardinha cheguei a casa
vinha descalço, sujo e molhado...
Na mão, trazia os sapatinhos
engraxadinhos
como se não tivessem sido estreados...!

Tudo se passou a sete de Outubro
de mil novecentos e cinquenta e um
dia igual a este
nunca mais houve nenhum!

José Gago




















A MINHA DOR DE VIVER

Cerro os meus olhos
e tento flutuar,
por sobre as águas
deste rio caudaloso
que me inunda o pensamento...
Mas sinto a vida a doer-me
nos fundões do desalento!

A vida dói-me
ao frio da noite incalma...
E porque a turbulência dos dias
me fazem doer a alma!

Dói-me o desencanto
e o sabor a frustração...
Dói-me o abraço hipócrita
mais o sorriso de ocasião...
E sinto um povo a doer-me
no lugar do coração!

Dói-me os ideais estagnados
com tanta coisa por fazer...
Dói-me os sonhos apagados,
impedidos de amanhecer...

Dói-me o ontem do medo
e o amanhã da incerteza...
Dói-me o riso da ostentação
ante o pranto da pobreza!

Dói-me a esperança a desistir
dói-me a vida a esmorecer...
Dói-me a força de resistir
à vontade de morrer!

José Gago

11/05/2012

EU PERTENÇO

Eu pertenço
a todos os que preservam, intactos
os alvores cristalinos, de antigas madrugadas...

Eu pertenço
a todos os que permanecem, desfigurados
pelas cicatrízes da memória...

Eu pertenço
a todas as memórias ensurdecidas
pelos ecos do Tarrafal...

Eu pertenço
a todos os rostos queimados
pelo vento gélido do exílio...

Eu pertenço
a todos os caminheiros do sonho
que pelo sonho é que foram...

Eu pertenço
às bocas amordaçadas, pelo jugo da repressão...
E às papoilas espezinhadas, nos campos de Baleizão!

José Gago

SOU O QUE SOU

Sou rio, sou barco e sou mar
favo de mel e colmeia...
Sou semente a germinar
sou eclipse lunar
romaria da aldeia...

Sou brisa fresca da serra
sou anarquia e sou lei...
Slogan que anda na berra
arado rompendo a terra
espiga de milho rei...

Sou boa nova, sou esperança
sou eco, antes do grito...
Sou tempestade e bonança
sou cansaço que não cansa
sou realidade e sou mito...

Sou vento que não acalma
soprando na noite fria...
Sou cântico que alegra a alma
sou ave que voa incalma
mas que canta até ser dia...!

José Gago

09/05/2012

OLHOS NOS OLHOS

Olhos nos olhos...
Frente a frente...
Eu gostaria de chamar-te incompetente!
Mentiroso, indecente!
Mas não posso fazê-lo
porque tu não tens olhos, infelizmente!

Tu és cego de nascença!
Não vês
nem nunca viste, nada à tua frente...
Muito embora estejas convencido
que vês mais e melhor que toda a gente!

Olhos nos olhos
gostava de dizer-te que és um quadrado...
Um burro, mal desenhado...
Um projecto de homem, reprovado!

Olhos nos olhos
eu queria enfrentar-te
humilhar-te...
Mas por fatalidade
tu não tens olhos, nem dignidade!

José Gago

O CUCO MALUCO

O cuco maluco
do relógio de sala...
Pia, rabia
canta, assobia
e nunca se cala...!

O cuco maluco
julga-se humorista...
Tem cliques e tiques
muitos tremeliques
mas é vigarista!

O cuco maluco
tem ar fanfarrão...
Mas ao cabo é nabo,
embandeira o rabo,
arma-se em pavão...

O cuco maluco
é falso e matreiro...
Mas um dia... Ai, ai!
Ele se distrai
e cai do poleiro...!

José Gago

O GRANDE CARNAVAL

Eles organizaram a festa
e convidaram todos os seus amigos
para o faustoso banquete...!

Houve comida a rodos,
guloseimas e champanhe para todos!

No arraial, tocaram a marcha triunfal...
Soltaram o fogo de artifício
e deram início ao grande carnaval...!

Mais tarde, todos reunidos
bem comidos, bem bebidos...
Bateram palmas
e os cargos foram destribuídos!

Nomearam-se, as chefias...
Estipularam-se, as regalias...
Instituíram-se, as mordomias...

E o carnaval prolongou-se,
eternizou-se nos dias!

Assistiu-se então...
Á ostentação, ao foguetório e à orgia!
Enquanto a conta crescia...
Crescia...
Crescia...!

E no fim e ao cabo
foi aí, que a porca torceu o rabo...!
Pois na hora de pagar
ninguém se quer responsabilizar!

Os mentores da festa...
Os que mamaram...
Os que se empanturraram...
Parecem até, que nem por cá andaram...!

O engraçado
é que o palco continua montado...
Á espera de outros banquetes
outros carnavais
outras festas iguais...!

Só que o Zé Povinho
já não aguenta pagar mais!

José Gago

MEU CANTAR DE LIBERDADE

Se por mera casualidade
quando a manhã acordasse...
Uma gaivota voasse
por sobre a minha cidade...

Talvez que ela levasse o meu cantar
para além do mar...!

Há! Se o meu cantar se ouvisse
onde não se ouve a razão...!
Talvez ele conseguisse
que uma janela se abrisse
clareando a escuridão!

E um cravo de amor florisse
em terras de servidão!

Se quando a manhã acordar
uma gaivota voar
por sobre a minha cidade...
Vou pedir-lhe p'ra levar
para terras de além - mar
meu cantar de Liberdade...!

José Gago

08/05/2012

SE EU PUDESSE SER O VENTO

Se eu pudesse ser o vento
fosse no mar ou na terra
eu varria o pensamento
dos que pensam só na guerra!

Este mundo feio, imundo,
da desgraça e desalento,
seria por certo outro mundo,
se eu pudesse ser o vento...

Tivesse eu a liberdade
e a força que o vento encerra
e reinaria a felicidade
fosse no mar ou na terra...

Aos que arquitectam horrores
roubar-lhes-ia o alento...
E aos cérebros malfeitores
eu varria o pensamento...

Sopraria meigo e terno
por sobre o campo e a serra
mas varria p'ró Inferno
os que pensam só na guerra...!

José Gago

MIRAGENS

Por entre as nuvens negras
que escurecem o firmamento dos meus ideais...
Irrompem, de quando em vez
pequenos fogachos de alento,
que vêm arejar-me o pensamento!

São breves lampejos de claridade
tão radiosa, como enganosa...
Miragens
num sonho cor de rosa...

Eu sei que as miragens, não passam disso mesmo...
Miragens!
Fantasias!
Utopias!
Que nos iludem todos os dias...

Mas porque não acreditar numa miragem colorida
que nos traga a ilusão de nova vida...?

Afinal, ninguém me pode garantir que o verde
será mesmo a cor da esperança...!

José Gago

S.O.S.

Na corrente incontrolável,
deste rio sujo e bruto...
Vejo o meu país a afundar-se
minuto a minuto!
Sem que eu consiga perceber
se ninguém vê
ou se ninguém quer ver...!

Será possível, ninguém reparar na tristeza dos campos...?
Na agonia das flores...?

Será possível, ninguém ver o desmoronar das serras...?
A decadência dos rios...?

Será possível, que ninguém oiça o pranto das aves...?
O apelo das giestas...?

À derrocada da última esperança,
seguir-se-á a partida da ultima andorinha...
Abrindo o espaço
à catástrofe que se adivinha...!

S.O.S.
Que venham os Socorristas
os Sapadores...
Que venham os Artistas
os Doutores...

Mas venham depressa
e salvem os últimos valores!

José Gago

BARQUITO DE SONHO

De madrugada
assim que o horizonte clarear
vou fazer-me ao mar
no meu barquito de sonho...

Aproveitando a maré alta da esperança
vou passar a barra do desânimo
e perder-me no azul infinito
do meu mundo navegante...

Não levo bússula, nem mapas
nem cartas de orientação
levo apenas a ancora da coragem
e as amarras da ilusão...

Não me assustam o mar medonho,
vendavais, ou sol a pino...
No meu barquito de sonho
hei-de encontrar o cais, do meu destino!

José Gago

07/05/2012

O ELO MAIS FRACO

Quando a incompetência nos toureia
nos humilha, nos chateia
e p'rá miséria nos arrasta...
Calar mais não vale a pena
se o povo é quem mais ordena
eu sou povo, e digo basta!

Já não posso
já não quero
já não dá...
Ver o meu povo ao Deus dará!

Já não há perguntas...
Já não há respostas...
O jogo está inquinado!
Viciado!

Enquanto uns enchem o saco
o povo não tem pataco...
E é cada vez mais
o elo mais fraco!

José Gago

PASSEAR COM O TEMPO

De vez em quando
sem me aperceber bem do que faço...
Envolvo o tempo num abraço
e saímos os dois por aí, de braço dado
a recordar o passado...

Então o tempo, num assomo de garotice
leva-me quase sempre ao fundo da memória
onde estão guardados
os restos da minha meninice...!

É cruel o tempo!
Até parece que faz isso para me castigar...
Mas eu gosto de lá ir
umas vezes para rir
outras vezes para chorar...!

É um pouco estranha, esta minha relação com o tempo
há até quem não entenda muito bem, a nossa cumplicidade...
Mas que fazer...?
Somos amigos - E não se pode trair uma boa amizade!

Mas também há momentos
em que o tempo acaba por se chatear...
Chama-me velho!
Chama-me,chato
E manda-me passear...!

José Gago

ABRIL

Chegou esfuziante!
Triunfante!
E trazia bandeiras desfraldadas
no seu semblante...!

Acordou as vielas
abriu as janelas
e enfeitou as ruas,
com o brilho intenso das estrelas!

Chamaram-lhe louco!
Escondeu-se um pouco...

Foi perseguido
denegrido
mal entendido...
Mas nunca foi, nem nunca será vencido!

Abril é rio que corre
é marcha triunfal...
É um cravo que não morre
e perfuma Portugal...!

José Gago

06/05/2012

UMA RÉSTIA DE SOL

A ti, meu amigo!
Meu camarada, meu irmão!
A ti, velho guerreiro
companheiro da fisga e do pião...

Como vai distante, meu amigo
o nosso tempo dos trigais...
Dos campos floridos
e dos sonhos coloridos
que não vivemos nunca mais!

Como vão longe os nossos jogos e corridas
as lutas, as guerras fracticídas...
Os duelos travados a dois
esquecidos, logo depois...
Incrível, meu amigo!
Como o tempo,desbaratou o nosso tempo...!

Como cavaleiros das trevas,
percorremos uma a uma,
as veredas emaranhadas da nossa ilusão...!
Pintámos as estrelas com as cores vivas da irreverência
E descobrimos tesouros
em cada canto da nossa inconsciência...!

Até que aos poucos
fomos perdendo o rasto às nossas emoções!
Eliminámos os piratas...
Mandámos à fava os espiões...
E findámos para sempre,
essa luta permanente, entre policias e ladrões...!
E foi assim,que sem dar-mos por isso
nos tornámos uns calmeirões!

Veio a tropa...
Veio a guerra do Ultramar...
Vieram os caminhos tortuosos da vida...
E só agora no Outono, nos voltámos a encontrar!

Só que agora, estamos velhos meu amigo!
Os nossos olhos, já não têm o mesmo brilho
que outrora os iluminou...
E nem eu, nem tu
conseguimos esconder as marcas do chicote
com que o tempo nos castigou!

Aqui; sentados à esquina da tristeza
tentamos aquecer o coração
na derradeira réstia de sol que a vida nos oferece...
Ao mesmo tempo que desfiamos, velhas histórias
dum tempo que não se esquece...!

Mas recordar sem chorar
é o lema que nos deve nortear...
Vamos sim, pôr um sorriso alegre na lapela
e abrir no coração uma janela
para a réstia do sol poder entrar...!

José Gago

04/05/2012

DEBAIXO DA PONTE

Eu sei que há quem me condene
quem me aponte...
Por esta minha maneira de ser
e gostar de viver, debaixo da ponte!

E porquê, debaixo da ponte...?

Porque debaixo desse tecto improvável,
eu sinto-me um cidadão neutral...
Uma vez que a ponte, separa dois mundos diferentes
um que é fictício, e outro que é real...

Daí que eu esteja confuso,
suspenso...
Porque ainda não consegui descobrir,
a qual dos dois mundos é que eu pertenço...!

Olhando para um e para outro,
os dois mundos até me parecem iguais...
Num, eu vejo realidades que parecem fictícias
no outro, vejo comportamentos e acontecimentos fictícios,
que até parecem reais!

Nesta incerteza
e até que a verdade desponte...
O melhor será esquecer
e continuar a viver, debaixo da ponte...!

José Gago

02/05/2012

ELES ANDAM AÍ...

Atenção minha gente!
É urgente ficar alerta
porque a guerra está aberta...!
Eles andam aí...

Vieram no bico da cegonha
sem vergonha, nem respeito
e roubam tudo a eito!
Eles andam aí...

Bem vestidos, bem parecidos
importantes, bem falantes
delicados...
Até parecem gente decente
mas no fundo são, somente
gatunos disfarçados!

Eles andam aí
para mal dos nossos pecados!

José Gago

DOCUMENTO SEM TÍTULO

Eu sou um documento sem titulo
que existe
mas não existe...

Sou a mentira
que não é mentira...

Sou a verdade
que não é verdade...

Sou um papel sem letras
sem cor
sem valor
nem qualquer utilidade!

Sou uma licença inventada
sirvo para tudo
mas não sirvo para nada!

Sou nota de crédito
sem crédito...
Sou um cheque sem provisão!

Sou um passe caducado
bilhete usado...
Espécie de talão
a que ninguém passa cartão!

José Gago

NASCI TORTO

Sempre que dou comigo a pensar
nas mil e uma coisas, que eu poderia ter feito
mas não fiz...
Sinto-me, um zero à esquerda
uma árvore sem raiz!

E o que mais me incomoda
é que muitas dessas coisas, teriam sido para mim
bem fácies de concretizar...
Bastaria para isso, que eu tivesse feitio para bajular
para rastejar
e tudo se poderia arranjar...!

Mas pronto!
Não aconteceu, porque não tinha de acontecer...
E agora, é tarde para me arrepender!

Basicamente, porque que nasci torto
e torto hei-de morrer...!

José Gago

EU VI

Eu vi!
Os barcos serem desmantelados
o mar ficar triste
e os pescadores, sobressaltados!

Eu vi!
Destruirem as vinhas e os pomares
arrancarem as oliveiras
e desactivarem os lagares!

Eu vi!
Os campos de cultivo ficarem incultos
abandonados...
por conta de alguns cérebros, iluminados!

E a razão, para tanta destruíção
Seria a nossa integração,na UNIÃO...
E então...
Choveram os subsídios...
Semeou-se o oportunismo...
Estendeu-se o alcatrão...!

Hoje, sem pão, nem chão
nem barcos amarados...
Temos um país à deriva, de olhos vendados
pés e mãos amarrados
e sonhos esfrangalhados...!

Porque, os tais cérebros iluminados,
afinal, estavam errados!

José Gago

01/05/2012

A COR DA GENTE

Se há coisas a que eu não dou valor
ou, às quais fico indiferente...
Uma delas, será a cor
que me atribuem, politicamente!

Para mim, o ser vermelho
rosa, laranja, ou cor diferente
nada tem a ver, com a cor da gente...

É claro, que os ideais
não são todos iguais...
Mas não impedem amizades
verdadeiras e leais!

Um bom amigo, pode ter politicamente
uma cor diferente...

Mas a bandeira da amizade
terá sempre a cor da Liberdade...!

José Gago

PANÇA CHEIA

Vejo-te no dia a dia,
cada dia mais distante
mais importante
vaidoso e arrogante...

Se porventura, foste alguma vez
a aragem natural, prenunciadora da mudança...
Hoje, não és mais do que um frio glacial
que gela toda a esperança!

Insensível, indiferente
como chefe da alcateia...
Empurras para a frente,
a tua pança bem cheia...
Protejendo os desígnos
da corja que te rodeia!

Em troca, esqueces
e escarneces
os que se deitam sem ceia...!

José Gago

MEDIDAS

Oiço falar o director
e o inspector...
Fala depois o administrador
mais o assessor...
E todos eles dizem, sim senhor!
É preciso tomar medidas...

Escuto o ministro
e o presidente...
O consultor e o assistente
e a solução não é diferente!
É preciso tomar medidas...

Conclusão:
É preciso tomar medidas...!

Mas que medidas...?

Medidas que defendam quem ganha abaixo da medida...?
Medidas que protejam os que sofrem acima da medida...?
Claro que não!

As medidas de que eles falam
são medidas a favor dos que ganham sem medida...
Dos que especulam sem medida...
Dos que roubam sem medida...
Dos que acumulam lucros sem medida!

Isto é...
É preciso tomar medidas, à medida
da cambada, enriquecida...
Quanto aos pobres, eles que cuidem da sua vida...!

José Gago

A RATOEIRA

Eu sentei-me
ela sentou-se
e a conversa desenrolou-se...

E vai daí, ela disse...
Que sendo eu um homem super-interessante...
A noite seria escaldante!

Que no momento preciso,
ela me levaria ao paraíso...!

Que sem complexos, nem pudores
ela me faria ver estrelas de todas as cores...!

Ela disse, eu acreditei
e para minha casa a levei...
Depois...
Bem, depois nem eu sei!

Quando acordei da bebedeira...
não tinha anéis, nem pulseira,
não tinha relógio, nem carteira...

Tinha caído na ratoeira...!

José Gago

SE EU MANDASSE...

É bem verdade, que esta coisa de mandar
nunca será tão fácil,como se possa imaginar...
Mas porra!
Quem manda, tem que saber mandar...
Porque senão, só consegue chatear!

Mas... Se eu mandasse...
Isto mudava a face!

Se eu mandasse...
Talvez a justiça funcionasse
o crime não alastrasse
e a corrupção não se instalasse!

Se eu mandasse...
Talvez a pobreza se erradicasse
a desigualdade não imperasse
e o ensino não se degradasse!

Se eu mandasse...
Talvez a democracia ressuscitasse
o capital não dominasse
e a vida de todos, melhorasse!

Se eu mandasse...
Talvez a "Troika" nos deixasse,
a esperança regressasse
e o povo por fim, sonhasse...!

José Gago

PERDOA MÃE

Perdoa mãe!
Por eu nunca ter dado ouvidos
às tuas preocupações, aos teus pedidos...

Nesse tempo, tu bem me dizias
e insistias
para que eu estudasse e me esforçasse em aprender
para que um dia mais tarde
não me viesse a arrepender...!

Mas eu nunca quis saber!
Cego pelos delírios da meninice...
A escola para mim,
era simplesmente, uma chatice!

Só hoje, minha mãe
de tropeção em tropeção...
É que eu entendo
o quanto tu tinhas razão...

Peço-te perdão minha mãe
por eu não ser hoje, aquilo que tu tanto gostarias...
Mas os teus conselhos
ecoam em mim, todos os dias!

José Gago

ELES QUEREM MAIS


Eles, há muito que estavam á espera...
E quando chegaram
rejeitaram os cravos, e espezinharam as papoilas!
Mais tarde, mutilaram as rosas...
E após o ultimo malmequer
extinguiram, a Primavera!

Mas eles não estavam satisfeitos...
Eles queriam mais!
Eles, querem sempre mais!
Por isso, escureceram o sol...
Esconderam as estrelas...
E apagaram os sonhos...

Mas eles não estavam satisfeitos...
Eles queriam mais!
Eles, querem sempre mais!
E, então...
Eles decidiram secar os rios...
Assassinar as aves...
Destruir as serras...
E incendiar o mar...!

Quando eles estiverem satisfeitos
o mundo pode acabar!

José Gago

OS CÃES LADRAM

Que me importa a mim
que os cães ladrem quando eu passo
se eu passo, sem lhes ligar...?
Que me importam os latidos
dos "vira latas" enraivecidos
que ladram, só por ladrar...?

Eu bem os oiço e vejo
disfarçados...
Ladrando por detrás dos valados
tímidos, amedrontados...

Mas que ladrem!
Que ladrem os rafeiros
os perdigueiros e os caniches eriçados...
Os corpolentos, os pulguentos
os dentolas e os desdentados...

Que ladrem os neutros
e os cães de raça...
Porque quanto mais eles ladram
melhor a caravana passa...!

José Gago

29/04/2012

O BARCO QUE ME LEVOU

O barco que me levou
tinha a cor dos vendavais
Tinha lágrimas na proa
e havia um cheiro a Lisboa
que inundava todo o cais...

O barco que me levou
tinha mastros de altivez
Tinha amarras de lonjura
no porão, tinha amargura
e saudade no convés...

O barco que me levou
navegava contra a sorte
Tantas ondas de amargor
tantas vidas em flor
tantos prenúncios de morte...

Havia um sol a arder
quando no cais me deixou
Não voltou p'ra me trazer
e não mais voltei a ver
o barco que me levou...!

José Gago

BRISAS DE CAMAXILO

Há sempre um sol em brasa no meu peito
quando eu me deito
em Camaxilo...!

Há sempre um olhar triste na picada
na madrugada
de Camaxilo...!

Há sempre um grito ao fim da tarde
quando a savana arde
em Camaxilo...!

Há sempre um batuque na sanzala
que não se cala
em Camaxilo...!

E nas noites de cacimbo, sem calor nem claridade
bebe-se o marufo, come-se a ginguba
e penteia-se a saudade...

A saudade de Camaxilo, esse estranho lugar
onde um dia, eu gostaria de voltar...!

José Gago

SOU UM RIO

Sou um rio de águas mansas
em corrida para o mar
corro em busca das esperanças
sonhadas noutro lugar...

As algas enegrecidas
tornam meu leito medonho
e nas margens ressequidas
não há margem para o sonho...

Não há barcos nem flores
acenando na corrente
apenas há desamores
que arrasto desde a nascente...

Galopando a madrugada
sob um tecto de luar
sou um rio em cavalgada
rumo à foz, dum povo mar...!

José Gago

BANDEIRAS

Há bandeiras cor de noite
no meu peito a tremular...
Dentro de mim vive a noite
sem estrelas,e sem luar!

Há bandeiras cor de fome
pelas ruas da cidade...
Toda a cidade tem fome
fome,não é Liberdade!

Há bandeiras cor do sonho
no meu povo cantigueiro...
meu povo que faz do sonho
o seu sonho derradeiro...!

José Gago

UTOPIA

Entre vagas de queixume
ou talvez algum despeito...
Sinto a cada dia, crescer em mim o azedume
no meu viver contrafeito!

A revolta, a fúria, o mau feitio
avançam em mim, como um rio...

É o atravessar de um ciclo ruim
que começa a ser para mim
uma espécie de desafio...!

É o stress do dia a dia...
É a vida que não pára na sua correria...
é a esperança cada vez mais fugidia...
São as ondas e as marés de hipocrisia...

E é sobretudo, o constactar
que a felicidade, é mesmo uma utopia...!

José Gago

28/04/2012

PIVETE

Pelos trilhos da desolação
que percorro pensativo
há um pivete a podridão
que me deixa apreensivo!

Vejo as ruas apinhadas
de pessoas quedas, caladas...

Vejo gente indiferente
sem lutar contra a corrente...

E oiço o silêncio das almas em putrefacção
sem reação...
Como se a solução, não estivesse em sua mão!

Vejo um povo entristecido
adormecido...
Vejo montes de sonhos traídos
vencidos...

Vejo um país de rastos pelo chão...
E pergunto, então...
Ninguém faz uma revolução...?

José Gago

PINHEIRO BRAVO

Raízes frágeis
tronco contorcido
Ramagem lembrando, um tempo já ido...
Assim sou eu
um pinheiro bravo, envelhecido...!

Sou uma árvore cansada
despegada do chão...
Sou uma sombra de nada
sem sombra no verão...

Sou um pinheiro bravo
nesta luta que travo
agarrado à fé...

Resistindo ao vento
neste meu intento
de morrer de pé!

José Gago

SOU UMA BESTA

Calado
reservado
mal encarado
antipático até mais não...

Eu não sou mais do que uma besta
difícil de dar a mão...!

Incisivo
casmurro...
Impulsivo
teimoso como um burro!

Recuso o freio
e o arreio...
E a quem me julga seu vassalo
dou coices, que nem um cavalo!

Sou uma besta quadrada
que se espanta, por tudo e por nada...

E por essa razão
dão-me porrada
e cortam-me a ração...!

José Gago

RAINHA DAS SERPENTES

Icrivel!
A facilidade com que te moves entre a vegetação...
Espalhando o teu veneno em tudo o que tocas
sem contemplação!

Incrivel!
Essa tua índole traiçoeira,
bem própria duma cobra cuspideira...

Só que tu, és muito mais do que isso!

Tu tens a maldade duma Cascavel...
O instinto feroz duma Surucucu...
A malícia aterrorizante da Anaconda...
Por isso és a rainha das serpentes...!

Para mim, no entanto
tu nunca passarás de uma simples víbora,vulgar...
Que a força do meu desprezo
acabará por esmagar!

José Gago

27/04/2012

A LEI E A LIBERDADE

Não sou, nem nunca fui anarquista,
ou apologista da desobediência...
Mas confesso que há normas, quase anormais
com as quais
eu perco a paciência...!

Sou pela lei
e sempre a respeitarei!

Mas a verdade, é que há leis, e há leizinhas...
Regras picuinhas, mesquinhas
que não cabem cá nas minhas!

São as célebres, burocracias...
Essa praga que nos molesta, nos infesta
e nos chateia, todos os dias...
São as directrizes obsoletas
os avisos, as tabuletas, as tretas...
Que impedem as pessoas de serem livres
como as borboletas...

Daí a razão
da minha opinião...

A lei e a Liberdade
são ambas imprescindíveis
mas não serão na verdade,
totalmente compatíveis...!

José Gago

O PASSARINHO

Ansioso!
Nervoso!
Saltita o dia inteiro,
de poleiro em poleiro...

E porque nada o consola
definha na gaiola
o passarinho prisioneiro!

Ele saltita e saltita...
Ele pia e pia...
Porque vive deprimido
sem alegria!

Quem passa e ouve o seu piar
até pensa que ele está a cantar
e que até canta muito bem...

A verdade, muito embora
é que o passarinho chora
a liberdade que não tem...!

José Gago

Á ESPERA DO CUCO

Neste meu desejo permanente,
de fugir à monotonia e à estagnação...
Abro frequentemente
a janela da frente, da minha frustração!

Mas, nem o mar me traz prenúncios de acalmia
nem a maresia, perde o cheiro a solidão...!

Por mais que eu espreite, já não vejo os malmequeres
estenderem na campina, a sua toalha amarela...
Nem sei que rumo levaram as andorinhas
que dantes vinham dançar
de fronte à minha janela...!

Mas sabendo eu, que o cuco
canta sempre na primavera...
Corro as cortinas da descrença
e adormeço, à sua espera...

José Gago

MISTÉRIO

Porque a vida é bela e linda
apetece perguntar...
Será mesmo que tudo finda,
ou algo perdura ainda
depois da vida acabar...?

Depois da morte, nada existe
é uma ideia que persiste
e p'ra muitos convicção...
Mas perante esse mistério
há quem acredite a sério
haver uma reencarnação...

Pela parte que me toca
não me assusta, nem me choca,
da morte sua crueza...

E perdoem-me, o despudor
mas quem vai desta p'ra melhor
não volta cá, com certeza!

José Gago

ESTÁTUA DE GELO

Acabou!
Não esperes que eu continue a oferecer-te flores
no final de cada dia...
Nem contes mais com o apoio do meu ombro
para acalmares os teus ataques de esteria...!

Cansei-me de ser o pagem de uma estátua de gelo,
insensível, intocável,
no cimo dum pedestal...

Não vou ficar à espera que sejas diferente...
Ou que alguém te coloque no peito, um coração de gente!

Mas seria bom não esqueceres
que uma estátua de gelo, por mais rija que seja
poderá desmoronar a qualquer momento...

Basta uma réstia de sol
ou uma rajada de vento...!

José Gago

FOI LOUCURA

Foi loucura não querer mais os beijos teus
foi loucura duvidar que eras verdade...
Fui louco na hora em que disse adeus
sem ver que era um adeus à felicidade...!

Foi loucura quando disse, não te quero
foi loucura ofender-te sem razão...
Com isso abri a porta ao desespero
e fechei a janela ao coração...!

Fui louco quando pensei ir embora
jurando nunca mais poder amar-te...
Mais louco vou ficando hora a hora,
sabendo que não mais vou encontrar-te...

José Gago

AMANHÃ É OUTRO DIA

Levanta-te, sorri...
Desperta dentro de ti...!

Vê que dia a dia
a sorte varia...
E a vida não tem só muros de pedraria!

Olha o campo
e os malmequeres a desabrochar...
Olha o doirado do sol
o prateado do luar...
Olha como corre o rio
para ir beijar o mar...
E pensa que, também tu
encontrarás alguém a quem amar...!

A vida, é para ser amada, e vivida...
e não para ser chorada
como folha caída...!

Tenta fazer do sonho a tua praia!
Aprende a cantar o teu hino da alegria...
e mesmo que a chuva caia
amanhã é outro dia...!

José Gago

PARA QUÊ A POESIA

Confesso que de vez em quando
divagando pela vida...
Sou assaltado por uma ideia maluca, que me leva a questionar,
se valerá a pena eu continuar
com esta minha mania, quase doentia
de escrever e amar a poesia!

Interrogo-me, se esta minha propensão
de escrever versos a esmo...
Não será uma mistificação
com que eu me engano a mim mesmo...

Não está em causa, o facto de escrever mal,
ou escrever bem...
O que eu pergunto, é, escrever para quê e para quem...?
Sim, porque quem escreve, gosta de ser lido
apreciado, reconhecido...

Ora, partindo do pricípio, que as pessoas não me ligam
que as pessoas me ignoram
e que não me atribuem qualquer valia...
Porque carga de água, essas mesmas pessoas
se hão-de interessar, ou gostar, da minha poesia...?
Mais a mais...
Não escrevendo eu certas tretas
que são apanágio de alguns poetas...
Isto é:
Historinhas...
Contos de embalar...
Poemas de saudade, para fazer chorar...
Enfim, coisas assim...!

Depois, também escrevo pouca religião
poucos milagres, poucos santos, pouco Deus...
E isso deve ser um dos grandes pecados meus...!

Mas pronto...
De vez em quando, sou assaltado por esta ideia maluca
que me leva a questionar
se devo ou não continuar, com esta minha mania
quase doentia...
De escrever e amar a poesia!

E a verdade, é que chego á conclusão que sim!
Que vale a pena!
Para já, é uma maneira de eu comunicar
desabafar, protestar...
E no dia em que eu me calar
de certeza, que alguma coisa há-de ficar!

Mais aqui, mais ali, ou mais além
haverá sempre alguém...
Que se vai lembrar que eu escrevia
coisas simples, sem valia...
Mas que eu amava
e chamava, de poesia...!

José Gago

26/04/2012

SABICHÕES

É sabido que esta vida
onde estamos de fugida
toda ela é complicada...
Desde o nascer, ao morrer
não paramos de aprender
e nunca sabemos nada!

É claro, que há sempre os sabichões...
Mas nem com esses eu me iludo!
Pois por muito que eles saibam
nunca chegam a saber tudo...!

Mentes bem iluminadas
há por aí às carradas
é um facto bem concrecto...

Mas também há sabichões
que às vezes levam lições
dum qualquer analfabeto...!

José Gago


EU QUERO ACREDITAR

Embora consciente de que sou um lírico
acredito ainda assim, na velha máxima
de que o sol quando nasce, é para todos...

E sendo assim
ante este mundo, imundo, que não me convence...
Eu tenho a ousadia
de reclamar, dia após dia
a parte do sol, que me pertence...!

Porém, há por aí uns zunzuns
de que o sol nascerá apenas para alguns...
E eu estou desconfiado
que há aqui alguém enganado...

Ora eu quero acreditar na tal máxima
que me diz que o sol também é meu...
Mas pensar assim, cheira-me a esturro
e se há aqui alguém que é burro
de certeza, que sou eu...!

José Gago

NÃO VALE A PENA

Eu gostava que alguém viesse
e me dissesse
se ainda vale a pena um sorriso...

Eu gostava que alguém viesse
e me dissesse
se ainda vale a pena a Primavera...

Eu gostava que alguém viesse
e me dissesse
se ainda vale a pena um canteiro
um vaso, uma flor...

Se calhar, já não vale a pena
meu amor!

José Gago

POLITICAMENTE CORRECTO

Politicamente correcto!
Eis um tema, que faz parte do esquema
mas que para mim, é um dilema...

Afinal, o que vem a ser isso
do politicamente correcto...?

Dizem-me que é por exemplo:
Eu aceitar, sem contestar
uma qualquer ordem que me queiram dar...
Será também, eu engolir, sem retorquir
uma treta qualquer que me queiram impingir...
Se possível, a sorrir...!

Ora eu, para ser politicamente correcto
teria de tomar montes de calmentes, anestesiantes
e não sei mais quantas coisas, semelhantes...

Portanto, que se lixe o politicamente correcto!
Porque eu vou continuar a contestar
a barafustar e a refilar
sem me importar com o aparato...

Quem se incomodar, ou não gostar
que ponha à beira do prato!

José Gago