29/04/2012

O BARCO QUE ME LEVOU

O barco que me levou
tinha a cor dos vendavais
Tinha lágrimas na proa
e havia um cheiro a Lisboa
que inundava todo o cais...

O barco que me levou
tinha mastros de altivez
Tinha amarras de lonjura
no porão, tinha amargura
e saudade no convés...

O barco que me levou
navegava contra a sorte
Tantas ondas de amargor
tantas vidas em flor
tantos prenúncios de morte...

Havia um sol a arder
quando no cais me deixou
Não voltou p'ra me trazer
e não mais voltei a ver
o barco que me levou...!

José Gago

BRISAS DE CAMAXILO

Há sempre um sol em brasa no meu peito
quando eu me deito
em Camaxilo...!

Há sempre um olhar triste na picada
na madrugada
de Camaxilo...!

Há sempre um grito ao fim da tarde
quando a savana arde
em Camaxilo...!

Há sempre um batuque na sanzala
que não se cala
em Camaxilo...!

E nas noites de cacimbo, sem calor nem claridade
bebe-se o marufo, come-se a ginguba
e penteia-se a saudade...

A saudade de Camaxilo, esse estranho lugar
onde um dia, eu gostaria de voltar...!

José Gago

SOU UM RIO

Sou um rio de águas mansas
em corrida para o mar
corro em busca das esperanças
sonhadas noutro lugar...

As algas enegrecidas
tornam meu leito medonho
e nas margens ressequidas
não há margem para o sonho...

Não há barcos nem flores
acenando na corrente
apenas há desamores
que arrasto desde a nascente...

Galopando a madrugada
sob um tecto de luar
sou um rio em cavalgada
rumo à foz, dum povo mar...!

José Gago

BANDEIRAS

Há bandeiras cor de noite
no meu peito a tremular...
Dentro de mim vive a noite
sem estrelas,e sem luar!

Há bandeiras cor de fome
pelas ruas da cidade...
Toda a cidade tem fome
fome,não é Liberdade!

Há bandeiras cor do sonho
no meu povo cantigueiro...
meu povo que faz do sonho
o seu sonho derradeiro...!

José Gago

UTOPIA

Entre vagas de queixume
ou talvez algum despeito...
Sinto a cada dia, crescer em mim o azedume
no meu viver contrafeito!

A revolta, a fúria, o mau feitio
avançam em mim, como um rio...

É o atravessar de um ciclo ruim
que começa a ser para mim
uma espécie de desafio...!

É o stress do dia a dia...
É a vida que não pára na sua correria...
é a esperança cada vez mais fugidia...
São as ondas e as marés de hipocrisia...

E é sobretudo, o constactar
que a felicidade, é mesmo uma utopia...!

José Gago

28/04/2012

PIVETE

Pelos trilhos da desolação
que percorro pensativo
há um pivete a podridão
que me deixa apreensivo!

Vejo as ruas apinhadas
de pessoas quedas, caladas...

Vejo gente indiferente
sem lutar contra a corrente...

E oiço o silêncio das almas em putrefacção
sem reação...
Como se a solução, não estivesse em sua mão!

Vejo um povo entristecido
adormecido...
Vejo montes de sonhos traídos
vencidos...

Vejo um país de rastos pelo chão...
E pergunto, então...
Ninguém faz uma revolução...?

José Gago

PINHEIRO BRAVO

Raízes frágeis
tronco contorcido
Ramagem lembrando, um tempo já ido...
Assim sou eu
um pinheiro bravo, envelhecido...!

Sou uma árvore cansada
despegada do chão...
Sou uma sombra de nada
sem sombra no verão...

Sou um pinheiro bravo
nesta luta que travo
agarrado à fé...

Resistindo ao vento
neste meu intento
de morrer de pé!

José Gago

SOU UMA BESTA

Calado
reservado
mal encarado
antipático até mais não...

Eu não sou mais do que uma besta
difícil de dar a mão...!

Incisivo
casmurro...
Impulsivo
teimoso como um burro!

Recuso o freio
e o arreio...
E a quem me julga seu vassalo
dou coices, que nem um cavalo!

Sou uma besta quadrada
que se espanta, por tudo e por nada...

E por essa razão
dão-me porrada
e cortam-me a ração...!

José Gago

RAINHA DAS SERPENTES

Icrivel!
A facilidade com que te moves entre a vegetação...
Espalhando o teu veneno em tudo o que tocas
sem contemplação!

Incrivel!
Essa tua índole traiçoeira,
bem própria duma cobra cuspideira...

Só que tu, és muito mais do que isso!

Tu tens a maldade duma Cascavel...
O instinto feroz duma Surucucu...
A malícia aterrorizante da Anaconda...
Por isso és a rainha das serpentes...!

Para mim, no entanto
tu nunca passarás de uma simples víbora,vulgar...
Que a força do meu desprezo
acabará por esmagar!

José Gago

27/04/2012

A LEI E A LIBERDADE

Não sou, nem nunca fui anarquista,
ou apologista da desobediência...
Mas confesso que há normas, quase anormais
com as quais
eu perco a paciência...!

Sou pela lei
e sempre a respeitarei!

Mas a verdade, é que há leis, e há leizinhas...
Regras picuinhas, mesquinhas
que não cabem cá nas minhas!

São as célebres, burocracias...
Essa praga que nos molesta, nos infesta
e nos chateia, todos os dias...
São as directrizes obsoletas
os avisos, as tabuletas, as tretas...
Que impedem as pessoas de serem livres
como as borboletas...

Daí a razão
da minha opinião...

A lei e a Liberdade
são ambas imprescindíveis
mas não serão na verdade,
totalmente compatíveis...!

José Gago

O PASSARINHO

Ansioso!
Nervoso!
Saltita o dia inteiro,
de poleiro em poleiro...

E porque nada o consola
definha na gaiola
o passarinho prisioneiro!

Ele saltita e saltita...
Ele pia e pia...
Porque vive deprimido
sem alegria!

Quem passa e ouve o seu piar
até pensa que ele está a cantar
e que até canta muito bem...

A verdade, muito embora
é que o passarinho chora
a liberdade que não tem...!

José Gago

Á ESPERA DO CUCO

Neste meu desejo permanente,
de fugir à monotonia e à estagnação...
Abro frequentemente
a janela da frente, da minha frustração!

Mas, nem o mar me traz prenúncios de acalmia
nem a maresia, perde o cheiro a solidão...!

Por mais que eu espreite, já não vejo os malmequeres
estenderem na campina, a sua toalha amarela...
Nem sei que rumo levaram as andorinhas
que dantes vinham dançar
de fronte à minha janela...!

Mas sabendo eu, que o cuco
canta sempre na primavera...
Corro as cortinas da descrença
e adormeço, à sua espera...

José Gago

MISTÉRIO

Porque a vida é bela e linda
apetece perguntar...
Será mesmo que tudo finda,
ou algo perdura ainda
depois da vida acabar...?

Depois da morte, nada existe
é uma ideia que persiste
e p'ra muitos convicção...
Mas perante esse mistério
há quem acredite a sério
haver uma reencarnação...

Pela parte que me toca
não me assusta, nem me choca,
da morte sua crueza...

E perdoem-me, o despudor
mas quem vai desta p'ra melhor
não volta cá, com certeza!

José Gago

ESTÁTUA DE GELO

Acabou!
Não esperes que eu continue a oferecer-te flores
no final de cada dia...
Nem contes mais com o apoio do meu ombro
para acalmares os teus ataques de esteria...!

Cansei-me de ser o pagem de uma estátua de gelo,
insensível, intocável,
no cimo dum pedestal...

Não vou ficar à espera que sejas diferente...
Ou que alguém te coloque no peito, um coração de gente!

Mas seria bom não esqueceres
que uma estátua de gelo, por mais rija que seja
poderá desmoronar a qualquer momento...

Basta uma réstia de sol
ou uma rajada de vento...!

José Gago

FOI LOUCURA

Foi loucura não querer mais os beijos teus
foi loucura duvidar que eras verdade...
Fui louco na hora em que disse adeus
sem ver que era um adeus à felicidade...!

Foi loucura quando disse, não te quero
foi loucura ofender-te sem razão...
Com isso abri a porta ao desespero
e fechei a janela ao coração...!

Fui louco quando pensei ir embora
jurando nunca mais poder amar-te...
Mais louco vou ficando hora a hora,
sabendo que não mais vou encontrar-te...

José Gago

AMANHÃ É OUTRO DIA

Levanta-te, sorri...
Desperta dentro de ti...!

Vê que dia a dia
a sorte varia...
E a vida não tem só muros de pedraria!

Olha o campo
e os malmequeres a desabrochar...
Olha o doirado do sol
o prateado do luar...
Olha como corre o rio
para ir beijar o mar...
E pensa que, também tu
encontrarás alguém a quem amar...!

A vida, é para ser amada, e vivida...
e não para ser chorada
como folha caída...!

Tenta fazer do sonho a tua praia!
Aprende a cantar o teu hino da alegria...
e mesmo que a chuva caia
amanhã é outro dia...!

José Gago

PARA QUÊ A POESIA

Confesso que de vez em quando
divagando pela vida...
Sou assaltado por uma ideia maluca, que me leva a questionar,
se valerá a pena eu continuar
com esta minha mania, quase doentia
de escrever e amar a poesia!

Interrogo-me, se esta minha propensão
de escrever versos a esmo...
Não será uma mistificação
com que eu me engano a mim mesmo...

Não está em causa, o facto de escrever mal,
ou escrever bem...
O que eu pergunto, é, escrever para quê e para quem...?
Sim, porque quem escreve, gosta de ser lido
apreciado, reconhecido...

Ora, partindo do pricípio, que as pessoas não me ligam
que as pessoas me ignoram
e que não me atribuem qualquer valia...
Porque carga de água, essas mesmas pessoas
se hão-de interessar, ou gostar, da minha poesia...?
Mais a mais...
Não escrevendo eu certas tretas
que são apanágio de alguns poetas...
Isto é:
Historinhas...
Contos de embalar...
Poemas de saudade, para fazer chorar...
Enfim, coisas assim...!

Depois, também escrevo pouca religião
poucos milagres, poucos santos, pouco Deus...
E isso deve ser um dos grandes pecados meus...!

Mas pronto...
De vez em quando, sou assaltado por esta ideia maluca
que me leva a questionar
se devo ou não continuar, com esta minha mania
quase doentia...
De escrever e amar a poesia!

E a verdade, é que chego á conclusão que sim!
Que vale a pena!
Para já, é uma maneira de eu comunicar
desabafar, protestar...
E no dia em que eu me calar
de certeza, que alguma coisa há-de ficar!

Mais aqui, mais ali, ou mais além
haverá sempre alguém...
Que se vai lembrar que eu escrevia
coisas simples, sem valia...
Mas que eu amava
e chamava, de poesia...!

José Gago

26/04/2012

SABICHÕES

É sabido que esta vida
onde estamos de fugida
toda ela é complicada...
Desde o nascer, ao morrer
não paramos de aprender
e nunca sabemos nada!

É claro, que há sempre os sabichões...
Mas nem com esses eu me iludo!
Pois por muito que eles saibam
nunca chegam a saber tudo...!

Mentes bem iluminadas
há por aí às carradas
é um facto bem concrecto...

Mas também há sabichões
que às vezes levam lições
dum qualquer analfabeto...!

José Gago


EU QUERO ACREDITAR

Embora consciente de que sou um lírico
acredito ainda assim, na velha máxima
de que o sol quando nasce, é para todos...

E sendo assim
ante este mundo, imundo, que não me convence...
Eu tenho a ousadia
de reclamar, dia após dia
a parte do sol, que me pertence...!

Porém, há por aí uns zunzuns
de que o sol nascerá apenas para alguns...
E eu estou desconfiado
que há aqui alguém enganado...

Ora eu quero acreditar na tal máxima
que me diz que o sol também é meu...
Mas pensar assim, cheira-me a esturro
e se há aqui alguém que é burro
de certeza, que sou eu...!

José Gago

NÃO VALE A PENA

Eu gostava que alguém viesse
e me dissesse
se ainda vale a pena um sorriso...

Eu gostava que alguém viesse
e me dissesse
se ainda vale a pena a Primavera...

Eu gostava que alguém viesse
e me dissesse
se ainda vale a pena um canteiro
um vaso, uma flor...

Se calhar, já não vale a pena
meu amor!

José Gago

POLITICAMENTE CORRECTO

Politicamente correcto!
Eis um tema, que faz parte do esquema
mas que para mim, é um dilema...

Afinal, o que vem a ser isso
do politicamente correcto...?

Dizem-me que é por exemplo:
Eu aceitar, sem contestar
uma qualquer ordem que me queiram dar...
Será também, eu engolir, sem retorquir
uma treta qualquer que me queiram impingir...
Se possível, a sorrir...!

Ora eu, para ser politicamente correcto
teria de tomar montes de calmentes, anestesiantes
e não sei mais quantas coisas, semelhantes...

Portanto, que se lixe o politicamente correcto!
Porque eu vou continuar a contestar
a barafustar e a refilar
sem me importar com o aparato...

Quem se incomodar, ou não gostar
que ponha à beira do prato!

José Gago

NÂO, AO ARCO DA VELHA

Porque o crepúsculo de uma vida
não tem que ser obrigatoriamente, poeira e solidão...
Há um resto de juventude, do qual eu não abro mão!
Afinal, quem foi que disse
que uma roseira velha, não dá rosas em botão...?

Admito que o meu Outono,
possa ter mais vento e menos flores...
Admito que a minha noite,
possa ter mais nuvens e menos luar...
Mas não admito, que haja em mim um Inverno
a que eu tenha de me resignar...!

Eu sei que o cante da sereia é um mito
assim como a glória dos heróis, é apenas efémera...

Mas também sei
que enquanto em mim faiscar uma centelha...
Nunca irei chamar ao arco-íris
arco da velha...!

José Gago

ACORDO ORTOGRÁFICO

Não vejo!
Não descubro!
nem lhe reconheço qualquer mais valia...
Pelo contrário
não consigo entender, qual a sua serventia!

Apenas sei, que é uma coisa esquisita
que me irrita
e que veio adulterar a escrita!

Chamam-lhe, acordo ortográfico...!

Pois que seja, para quem o aceitar!
Para mim, é uma aberração
por isso, o vou ignorar!

Confundir facto, com fato
é coisa que não dou de barato!

Assim como o acto de representar
não pode ser ato, do verbo atar!

Alem disso
sendo a higiene um predicado
que eu nunca irei pôr de lado...
Não aceito que um cágado
seja transformado, num bicho cagado!

Não sei quem é o pai da criança
nem quem a perfilhou...
Só sei que, para tal peditório
decididamente, eu não dou!

José Gago

O MELHOR REMÉDIO

Segundo a voz da sapiência,
o riso e a diversão,
são remédios de excelência
para a tristeza e depressão...

Acreditando mil vezes
no que dizem os entendidos...
Porque serão os portugueses
tão tristes e deprimidos...?

Será que o circo permanente
a que nos é dado assistir
não é de todo suficiente,
para andar-mos todos a rir...?

Com palhaços aos montões
no palco deste país
temos todas as razões
p'ra ser um povo feliz!

mas se nada há que nos faça
virar as costas ao tédio
rir-mos da nossa desgraça
será mesmo o melhor remédio...!

José Gago

CINZAS

Há uma voz que me chama do outro lado do mar...
Será o grito dum índio
um uivo do vento
ou um sopro de saudade, que me veio acordar...!

Há um rufar de tambor,
que ecoa para lá do pensamento...
E o refrão truncado, duma velha canção
perdida no tempo...!

Há o chilreio duma ave
um silvo de serpente...
Há um sonho apagado
por sobre a cinza quente...

Há uma labareda de queixume
que incendeia o teu rio...
Neste meu corpo em lume
que sem ti, morre de frio!

José Gago

OS PATOS BRAVOS

Sorrateiramente...
Dissimuladamente...
Os atiradores furtivos, aproximam-se do bando de patos bravos!

Levam a arma em riste, pronta a disparar
alguns já estão mesmo a apontar...
Mas os patos bravos, de tão mansos que são
nem sequer ligam à aproximação...!

Pobres patos bravos!
Parece que não conhecem os caçadores...
Os predadores!
Não desconfiam...
Não se assustam...
Não fogem...

Desgraçados!
Gostam de ser caçados!

Ao longe
num misto de raiva e suspiros...
Assisto ao abate dos patos bravos
logo aos primeiros tiros!

José Gago

ELES NÂO ME ENGANAM

Eles abordaram-me com maneiras delicadas
e num discurso meio esquisito...
Ofereceram-me umas palavras engraçadas
e umas promessas embrulhadas
num sorriso bonito...!

Julgam eles que me enganam!

Mas como vão eles enganar-me...
Se eu sempre soube que eles me enganam...?

Eles abordaram-me, género amor e paz
usando de falinhas mansas...
Falaram-me de tempos atrás
e estenderam-me um cabaz
cheio de falsas esperanças...!

Julgam eles que me enganam!

Mas como vão eles enganar-me...
Se eu sempre soube que eles me enganam...?

José Gago

FECHADO PARA OBRAS

Hoje fechei para obras
por tempo indeterminado...
Só voltarei a abrir,
no dia em que estiver totalmente renovado...!

Preciso reparar toda a minha massa cinzenta!

Preciso pintar de novas cores
as paredes velhas do meu pensamento...
Preciso abrir a porta do meu peito
e deixar entrar o vento...
Preciso renovar as ideias, arejar as convicções...
Arrumar desejos obsoletos
limpar mágoas e desilusões...

Preciso lavar os tectos do passado
esfregar o chão do presente...
Pintar novos quadros
novas paisagens, nova gente...
Preciso reconstruir o meu sorriso
dar novo brilho ao meu olhar...
Deitar fora saudades velhas
colocar flores em seu lugar...

Preciso abrir um novo espaço
no interior do meu coração...
Onde abrigue novas amizades
atirando para o lixo, velhos monos que lá estão...
Preciso abrir novos caminhos dentro de mim
que me dêem acesso à esperança e á fraternidade...
Preciso viver meu sonho até ao fim,
e saber se tenho direito à Liberdade...!

José Gago

A CHAVE DAS PALAVRAS

Por mais que eu procure dentro de mim
não acho a chave das palavras...
Eu bem tento recordar-me,
mas não consigo lembrar-me
onde guardei a chave das palavras!

E agora...?
O que é que eu vou fazer
sem palavras para dizer...?

Também é verdade, que o mundo nunca escutou,
nem ligou às minhas palavras...
Que nunca ninguém leu,
nem entendeu as minhas palavras...
Logo portanto, ninguém irá notar o meu silêncio...

Não ter palavras, é estranho
mas todo o mal tem emenda...
Por isso, vou fazer um desenho
e talvez o mundo me entenda...

José Gago

22/04/2012

RIMAS DE VENTO

São rimas de vento
os versos que escrevo...

Neles digo o que penso
neles digo o que devo
e até o que não devo...
Mas escrevo!

São rimas de vento
angústias de mar...

São trevos sem folhas
são rios sem luar...

São aves sem asas
que não podem voar...!

São rimas de vento
palavras banais...
Gaivotas de espuma
que morrem no cais...!

José Gago

FIM DE TARDE

Fim de tarde
quase noite...
Outra vez noite!

Outra vez negro
como negros são os muros que me cercam...
Que pela sua altura e negrura
me parecem totalmente intransponíveis!

Mas será que a muralha enegrecida
não terá mesmo uma saída...?
Uma janela que se abra para a vida...?

Eu olho à minha volta, e com revolta
vejo os pobres
os velhos, os desempregados
vergados, pela tristeza...
Empurrados
esmagados, contra este muro de vergonha
e de pobreza...!
Vejo os jovens entristecidos
vencidos
sem um futuro para abraçar...
Sem um sonho p'ra navegar...
E então...
Apetece-me gritar!

Vamos juventude!
Arriba, gente da minha idade!
Isto não tem que ser uma fatalidade...
Lutem!
Avancem!
Derrubem o muro...
Porque é do outro lado
que está o futuro...!

José Gago

21/04/2012

O RIO DA MINHA AMARGURA

O rio da minha amargura
tem a cor da noite escura
e margens de solidão...
As águas correm paradas
em marés desencontradas
sem ter Inverno, nem Verão...

Em vez de prata e cristais
tem sonhos mortos no cais
e barcos sem navegar...
Tem gaivotas doloridas
com asas frágeis, caídas
voando tristes p'ró mar...

Correndo sem direcção
não traz brisa nem canção
que rompa o silêncio atróz...
Transborda dor e loucura
o rio da minha amargura
não tem nascente nem foz...!

José Gago

SE EU SOUBESSE

Se eu soubesse o que sei hoje
depois da vida vivida...
Não voltava certamente,
a cometer novamente
os erros que fiz na vida!

Se eu soubesse o que sei hoje
tudo seria diferente...
Não correria atrás do vento
nem perderia o meu tempo
com certo tipo de gente...

Atalhos que trilhei
espinhos que calquei
muros que saltei...

Sabendo o que sei hoje,
não sei, não sei
se eu próprio, me perdoarei...!

José Gago

MEU AMOR ALENTEJANO

Meu amor Alentejano
princesa de Baleizão
os teus olhos são trigais
teus beijos sabem a pão...

Meu amor Alentejano
roseira brava em botão
és sol do nosso Alentejo
princesa de Baleizão...

Meu amor Alentejano
és seara dos meus ais
os teus lábios são papoilas
os teus olhos são trigais...

Meu amor Alentejano
trigo loiro, loiro grão
quando beijas minha boca
teus beijos sabem a pão...!

José Gago

20/04/2012

A VIDA

Meu Deus!
Como é dificil viver a vida...
Como é dificil entender a vida...!

Feita de ilusões e desilusões
agruras e contradições...
A vida é um vulcão
sempre em erupção!

A vida é como uma praia
onde erguemos estátuas e castelos de areia...
Construções, abruptamente destruídas
às primeiras investidas
duma qualquer maré cheia!

Mas nós teimamos sempre resistir
construir
outras estátuas, outros castelos...

Até que, repentinamente
definitivamente...
O mar cresce
leva as construções
e leva a gente...!

José Gago

PEÇA COM DEFEITO

Sou uma peça com defeito
que ninguém aperfeiçoou...
Mas não sei que peça sou
nem de que massa sou feito!

Houveram mãos que tentaram
dar-me alguma utilidade
mas os intentos falharam
por falta de habilidade...

De areia, barro, ou gesso,
ou seja lá do que for
nunca me puseram preço
logo, não tenho valor...

Sou uma peça com defeito
inútil
sem graça, nem jeito...
Que envelhece esquecida
na prateleira da vida...!

José Gago

UM CÉU PARA NÓS DOIS

Nas minhas mãos, as tuas mãos
nas tuas mãos, as minhas mãos...

No meu peito, o teu coração
no teu peito, o meu coração...

Assim somos nós
Um só corpo, uma só voz...
Um só beijo
um só desejo...
Uma só dor, um só sentir
um só amor, p'ra repartir...!

No dia em que deixar de ser assim
eu em ti, e tu em mim...

Não haverá mais antes, nem depois...
Haverá sim, um céu para nós dois!

José Gago

MEU PORTUGAL

Meu Portugal, meu menino
país amado e fraterno...
Fizeram de ti um Inferno
quando eras por destino
um paraíso divino!

Jardim à beira-mar plantado,
assim eras antigamente...
Mas transformaram-te infelizmente,
num "quintal" desgovernado
decadente, devassado!

São os corruptos a montão
que alastram como a peçonha...
São os pedófilos, essa vergonha
que deviam estar na prisão
mas a justiça diz que não!

Transgride-se impunemente
e rouba-se à descarada...
Assalta-se à mão armada
e assassina-se o inocente
é chocante e deprimente!

Proliferam os traficantes
os vigaristas e os chulos...
E de coração aos pulos
vivem os teus habitantes
à mercê dos miliantes!

Sinto um desgosto profundo
meu Portugal adorado!
Ao ver-te assim transformado
neste país moribundo
igualzinho ao terceiro mundo!

José Gago

SUJIDADES

Que bom seria
que a chuva que cai na calçada
levasse na enxurrada, esta imensa sujidade
Que inunda toda a cidade...

Infelizmente, a chuva cai
mas depressa se esvai
E até parece que atrai, mais lixo...
Mais imundice...
Mais chafurdice...!

Entre tanta porcaria,
a cidade perdeu a alegria
enquanto a gente asfixia!

Se ninguém limpar depressa a cidade
desta imensa sujidade...

Decerto não sobreviremos
e depressa deixaremos
de respirar a Liberdade!

José Gago

UM RIO SALGADO

Existe um rio salgado,
correndo à toa no meu peito...
Encapelado
desordenado
fora do leito...!

Na sua fúria intensa,
arrasta os meus sonhos num turbilhão...
Deixando o sal da descrença
na palma da minha mão!

É neste rio salgado
desvairado
de água poluída...
Que eu me sinto um barco perdido
atirado
contra os rochedos da vida...!

José Gago

A MINHA VEZ

Eles passaram
mas passaram sem me ligar...
E nem sequer repararam
que eu estava a chorar!

Aliás, eles passavam todos os dias
mesmo à minha frente...
Mas para eles, eu estava sempre invisível
estava sempre ausente...!
Nunca me cumprimentaram
nunca me falaram
sempre me ignoraram...

Mas naquele dia foi diferente!
Eles vieram ter comigo, falaram-me,
sorriram-me e abraçaram-me tão efusivamente...
Como se finalmente
tivessem descoberto que eu existia, e que era gente!

Depois da cena emocionante
fizeram um discurso mais ou menos, pedante ... 
E pediram-me, o meu voto
dizendo que era para eles, muito importante...!

Foi então a minha vez de os olhar
sem vacilar...
Virar-lhes as costas
e mandá-los passear...!

José Gago

19/04/2012

MÁ SORTE

Foi num dia qualquer
dum mês qualquer
dum ano que já esqueci...
Que eu fui lançado neste mundo, imundo
que eu nunca pedi...
Sem que ninguém me dissesse
o que é que eu vinha fazer aqui...

Deram-me um nome, para eu responder à chamada...
Deram-me um caminho de pedras, para dele fazer a minha estrada...
E deram-me duas mãos vazias, abertas ao nada!

O resto, foram condições:
Obedecer...
Ter olhos e não ver...
Comer e calar...
não pensar...
e não sonhar...!

Perante esta cartilha, maravilha
que delineava a minha conduta,
fiquei imediatamente ilucidado,
sobre o mundo filho da puta
para onde me tinham atirado!

Um mundo filho da puta
minado de filhos da puta
governado, por filhos da puta!

Passaram anos, muitos anos...
E aos filhos da puta
foram-se sucedendo, sempre
outros filhos da puta!
Numa lista interminável
que o Diabo elaborou
e que até hoje, ainda não mudou...

Poderá haver quem pense
que, os filhos da puta de hoje
serão menos filhos da puta
do que os filhos da puta de ontem...
Mas isso, é pura ilusão!
Os filhos da puta, têm todos a mesma condição
e o mesmo fim, por ambição...!

Ambicionam o tacho!
O privilégio!
As mordomias...
E sobretudo, o esmagamento do povo
que eles tentam, todos os dias!

E é aqui que acontece o incomcebível...
O que parece quase impossível...!

O povo que trabalha...
O povo que sofre...
O povo que luta...
É chamado a votar, e vota estúpidamente
incompreensivelmente
nos filhos da puta!

Isto é:
Na hora de escolher
o povo gosta de ver
os filhos da puta, no poder!

Vá lá a gente compreender...

José Gago

O TEU PERFUME

Deixas sempre no ar um cheirinho a rosas
todas as vezes que passas na minha rua estreita...

E eu, que estou sempre à tua espreita
já conheço de cor esse perfume...
Esse odor, de amor
que me queima como lume!

Perfume inebriante
estonteante...
Duma rosa vaidosa
caprichosa...

Que enfeita e perfuma o caminho
mas que fere meu coração, como um espinho...!

José Gago

O RISO DA SAUDADE

Ouve cá, meu velho tonto!
O que é que te deu, para andares aí nesse desatino
correndo de lado para lado...
como se fosses agora um menino
travesso, apaixonado...!

Francamente!
Com essa tua idade...
andares agora, a namorar com a saudade...!

Corres atrás dela feito louco!
Oferecendo-lhe flores...
Oferecendo-lhe chocolates...
Não achas isso, o cúmulo dos disparates...?

Acorda, velho tonto!
Deixa a saudade ir á vela
que ela cuida bem de si...
E quanto mais andares atrás dela
mais ela se ri de ti...!

Esquece o tempo dos amores
e deixa a saudade em paz
nem ela precisa de flores
nem tu podes voltar atrás...!

José Gago

AMOR E UMA CABANA

Amor e uma cabana
foi tudo o que te prometi...
E cumpri!

O tempo rolou
o sol se escondeu
a cabana ardeu...
E tudo acabou, entre tu e eu...!

Foi loucura...?
Foi aventura...?
Foi de tudo um pouco...
Mas ninguém tem culpa
tudo se desculpa
porque o amor é louco!

Mas desse tempo bacana
de tão frias verdades
nem o amor,nem a cabana
me deixaram saudades...!

José Gago

18/04/2012

TERRA DE BURROS

Eu vim do fundo da noite
para buscar neste mundo, a felicidade...
Mas não encontro alpendre onde me acoite
nem os meus olhos vislumbram claridade...!

Nem uma luz!
Nem uma flor!
Nem uma boca, sequer
falando de amor...!

Apenas berros...
Apenas zurros...
Estou afinal, numa terra de burros!

Será que me confundi...?
Será que me perdi, ou me enganei no percurso...?
Ou estarei aqui presente
simplesmente
a fazer figura de urso...?

José Gago

17/04/2012

NUNCA É TARDE

Sim, eu sei que é tarde...
Mas também sei que nunca é tarde
desde que não seja demasiado tarde...!

Talvez até seja tarde para sonhar...
Mas nunca será tarde para um sorriso!

Talvez até seja tarde para uma canção de amor...
Mas nunca será tarde para um grito de alvorada!

Mesmo quando no horizonte a esperança arde
e o mar enrola em ondas de quimera...
É preciso acreditar que nunca é tarde
para acender em nós a Primavera!

José Gago

AI MEU PAÍS, MEU PAÍS...

Ai meu país, meu país...
Minha Pátria assassinada!
Teu povo está infeliz
tua honra, desventrada!
Ai meu país, meu país...
Já foste tudo
hoje, és nada!

E porquê, meu país...?
Criaste tu,em teu seio
filhos tão ingnóbeis, tão vis...?

Filhos que te agrediram
que te enegreceram...
Filhos que te mentiram
que te venderam!

Ai meu país, meu país...
Minha Pátria assassinada!
Já foste jardim, dentro de mim
hoje és terra queimada, abandonada...!

José Gago

O OUTONO

Venham daí, amigos!
Vamos semear ideias novas e abraços
nos sulcos que a Liberdade nos abriu...
Vamos espalhar sementes de novas amizades
e cobrir os campos de flores
com cores
que nunca ninguém viu!

Só que, temos de agir depressa!

A Primavera, está aí...
O Verão, já se aproxima...
E quando o Outono chegar
são as ervas daninhas, que mais medram...!

Vamos, amigos!
Toca a unir, e a trabalhar
antes do Outono chegar...

José Gago

PASSOS E PORTAS

Há passos, que não são os nossos passos
há portas, que não são as nossas portas...
Há portas que nos causam embaraços
e passos que seguem linhas tortas!

Há portas, que são portas de fachada
há passos, que são passos contra a paz...
Há portas que não servem para nada
e passos que são passos marcha-atrás!

Há portas, de contornos retorcidos
há passos, que se trocam nas passadas...
Há passos que são passos perdidos
e portas que deviam estar fechadas!

Há passos, de vaidade e de cinismo
há portas, que não se abrem à verdade...
Há passos que nos levam ao abismo
e portas que nos fecham a Liberdade!

José Gago

ENGANEI-ME

Enganei-me!
Quando te julguei um rio
a correr para os meus braços...

Enganei-me!
Quando vi nos teus olhos
o esplendor do azul celestial...

Enganei-me!
Quando sonhei nos teus lábios
o aroma das açucenas...

Enganei-me!
Enganei-me redondamente,
solenemente,
com tudo aquilo que me davas...

Só não me enganei
quando acordei
e vi que me enganavas...!

José Gago

AMOR DE ROSAS BRANCAS

Meu amor de rosas brancas
que brancura Deus te deu...

O teu sorriso fagueiro
faz-me crer que o mundo inteiro
é somente teu e meu!

Meu amor de rosas brancas
minha raíz de amor-perfeito...

Perfume que me seduz
pétalas brancas de luz
chama acesa no meu peito!

Meu amor de rosas brancas
meu tesouro cor de arminho...

Branco rosário de contas
estrela de cinco pontas
que ilumina o meu caminho!

José Gago

14/04/2012

ROSAS BRAVAS

Sempre que te encontro
trago à lembrança aquele meu velho hábito
de te oferecer uma rosa brava
no dia dos teus anos...

Recordo-me, que para ti
isso foi sempre considerado, um capricho escusado
um gesto sem significado...!

Mas para mim, era algo especial
que me estimulava, que me embevecia...
E o meu gesto
tinha exactamente um perfume igual
à rosa que eu te oferecia...!

Hoje, já não há rio, nem canaviais
e o velho leito, não é mais que uma ravina...

Não existem papoilas, nem trigais
nem florescem, rosas bravas na campina!

José Gago

FLOR AO VENTO

Folhas de chuva
pétalas de bruma
cor de maresia...

Raizes doendo
apodrecendo
na terra fria...!

Gelada
açoitada
espezinhada...
Sou uma flor ao vento
cheirando a nada...

Que pende e balança,
mas que enfeita a esperança
em cada madrugada...!

José Gago

A MENTIRA

Vi-te girar
e julguei-te a roda da fortuna...

Vi-te brilhar
e pensei que eras uma estrela...

Vi-te sorrir
e comparei-te a um raio de sol...

Eras fresca
airosa, delicada
e sonhei-te a minha madrugada...
Afinal
eras apenas, uma mentira encapotada!

Mas ainda bem que eu te conheci
porque aprendi
que o ditado faz sentido...

O que é falso não encanta
e a gente só se levanta
é depois de ter caído...!

José Gago

AQUI E AGORA

Aqui e agora,
não serei mais do que um moinho de vento
girando no tempo
sem tempo, nem vento...

Aqui e agora,
sou um desejo rasgado
um sonho em viagem...
Um barco virado
num sopro de aragem...
Um espelho quebrado
que não espelha a imagem...!

Aqui  e agora,
sou pó que se dissolve na água
Sou o grito de mágoa, de quem nada espera...
Papoila sozinha
que no campo definha, sem ter Primavera...!

José Gago

13/04/2012

O SINO

Sempre que o sino toca
na igreja da minha aldeia
ou é por coisa grave
ou então, por coisa feia...

Só toca por dois motivos
bem diferentes, por sinal...
Toca quando há casamento
e toca quando há funeral!

Por isso eu fico assustado
e peocupado
quando sem esperar
oiço  repicar
o sino da minha aldeia...

O motivo, já se sabe...
Se alguém casa, a coisa é grave!
Se alguém morre, a coisa é feia!

José Gago

O AMOR

O amor
tal como a flor
precisa de um canteiro
bem soalheiro...
Precisa ser bem regado
e bem cuidado
o tempo inteiro...!

O amor
tal como a flor
não deve ser frio
nem sombrio...
Não deve ter folhas à solta
nem ervas daninhas à sua volta...

O amor
tal como a flor
precisa de muita claridade
e liberdade, para crescer à vontade...
Requer muitas atenções, para não murchar
e precisa de dois corações, para se abrigar...!

José Gago

ARRÁBIDA, A SERRA E O POETA

Seja em que dia for
e à hora que for, que eu te contemple...
Tu, ditosa Arrábida!
Surges sempre aos meus olhos, bonita e altaneira
qual rainha imaginária, inventada nos meus sonhos...!

A cada relance do meu olhar
a tua silhueta imponente me extasia e estremece,
como prece da minha devoção...
E a minha alma se aquece
no aconchego desse teu manto doirado,
bordado a tons de verde e paixão!

Bem haja, majestosa Arrábida!
Por essa tua condição de altar celestial
dos Deuses apaixonados...
De paraíso terreno
onde a mãe natureza se esmerou e pintou
verdadeiros quadros impossíveis...!
Com um senão...
O senão da tua altivez me oprimir
me esmagar!
Tornando-me escravo desta impotência
de não te saber cantar...!

Por isso, em cada dia que passa
eu ergo a minha taça, ao calor da tua chama
e digo, obrigado!
Abençoado sejas tu, Sebastião da Gama!
Porque tu, sim!
Tu soubeste cantar a Arrábida como ninguém mais o fará...
Tu foste o poeta, o cantor, o amante
que a serra jamais esquecerá!

E porque a saudade nunca foi, nem será para ti
um sentimento temporário...
É por ti, que ainda hoje choram as estevas do Alto da Mata
os medronheiros do Convento
e os folhados do Solitário...!
É a tua poesia, que enfeita ainda hoje o cante fagueiro
dos melros de Alpertuche
e dos rouxinóis do Creiro...!

Desde o Risco até Galapos,
ou do Portinho à Figueirinha...
Bem pode o mar trazer à costa, mil poemas de mil poetas
Que a tua adorada Serra-Mãe...
Jamais será poema, de mais alguém!

José Gago

UM SENTIR PORTUGUÊS

Aqui, bem no cimo do homem que sou
sou bem maior do que a minha pequenez...

Aqui, como um grito saído da terra irada
eu posso ser tudo ou nada,
mas sou português!

Sou português, sim!
Mas não sou um "português faz de conta",
um português acidental...
Sou português, porque nasci português
para o bem e para o mal...
E tenho no peito um coração
a bater por Portugal!

Sou português, sim!
Português anónimo, sem voz, sem estatuto
mas com ideais...
Pelos quais eu luto e labuto
até não poder mais...!

Sou português simples
das ceifas, das desfolhadas...
Das casas caiadas
dos vasos floridos...
Dos favos de mel
das amoras silvestres
dos medronhos amadurecidos...

Sou português do campo e da serra
português da urze, do rosmaninho...
Português que lavra a terra
português que pisa o vinho...
Sou português do fado
e do Sado!
Sou português do Tejo
e do Alentejo!
Que dança o Minho...
Canta o Ribatejo...
E bate o corridinho,
nos Algarves do desejo...!

Sou português da broa de milho
das amendoeiras em flor
do folclore, da romaria...
Do alecrim, da esteva e da giesta
e da festa da Senhora da Agonia...!

Sou português renovo
campo verde, mar anil
sou português e sou povo
sou cravo do mês de Abril...!

José Gago

12/04/2012

GRITOS DE SILÊNCIO

Perco-me, entre a loucura e o silêncio
arrastando os meus passos cansados, no tapete da noite...
Até que me deixo tombar, exausto
no primeiro banco de jardim...
Frio
vazio
longe do mundo
longe de mim...!

Não há estrelas, nem desejos...
Apenas lágrimas
ao canto do desencanto...!

Cubro o meu corpo
com velhos sonhos amarrotados
e adormeço no silêncio
dos meus gritos, amordaçados!

José Gago

ALÔ CAMARADA

Preciso de saber se ainda estás aí, camarada!
E se ainda conservas aquela tua coragem, em forma de lança
que tu sempre utilizavas, para rasgar o medo...

Preciso de saber se ainda estás aí, camarada!
E se ainda guardas contigo a chave daquele velho barracão,
onde nós ía-mos plantar papoilas,
nas nossas madrugadas de esperança...

Preciso saber se ainda estás aí, camarada!
E se ainda te lembras do código que abria a tal Primavera,
que só nós sabia-mos que existia...

Se ainda estás aí, camarada
peço-te, que fiques alerta...
Porque a vitória - embora nossa
ainda não está certa...!

José Gago

FINGIDOR

Porque a vida sempre corre,
cada dia mais depressa
e não pára, nem tropeça...
Eu sinto que já não tenho corrida
para acompanhar a vida
e já quase não saio do local de partida...!

Já lá vai o tempo,
em que era eu a controlar o tempo...
Já passou o momento,
em que era eu a marcar o andamento...!

Hoje, sou apenas um pateta
a fingir que ainda sou atleta
mas já sem fôlego
para chegar à meta...!

José Gago

SEMPRE PELA ESQUERDA

Por aqui, por este caminho inclinado
açoitado pelo vento
eu teimo em caminhar pela esquerda
por ser o lado certo do meu pensamento!

Por aqui, por sobre pedras e abrolhos,
entre escolhos mil
eu teimo em caminhar pela esquerda,
porque foi da esquerda que veio Abril!

Por aqui, por este cantar de amigo
antigo, mas sempre novo
eu teimo em caminhar pela esquerda
porque é da esquerda
que me chega a voz do povo!

Por aqui, por este trilho estreito da lembrança
entre a esperança e o desespero
eu teimo em caminhar pela esquerda
porque é da esquerda que virá
o mundo novo que eu espero...!

José Gago

PARO, ESCUTO E OLHO

Para, escuto e olho
mas não te oiço, nem te vejo...

Talvez que tu não existas
ou não sejas o comboio do meu desejo...!

Paro, escuto e olho
em cada cruzamento
em cada encruzilhada...
Mas tu passas despercebida
como se os carris da vida
fossem linha abandonada...!

Paro, escuto e olho...

Atravesso a linha
atravesso a rua
sempre em correria...
Mas acabo atropelado
esmagado
pela tua hipocrisia...!

José Gago

POETA NA SOMBRA

Por ser um poeta na sombra
por destino e condição...
Talvez que eu venha  morrer na sombra
mas a minha poesia, não!

Sou poeta desconhecido
sou artista sem expressão
um dia, desaparecido
meu nome será esquecido
mas a minha poesia, não!

Como poeta popular
a sombra é o meu lugar
disso eu tenho a noção...

Sou um produto vulgar
que o mundo pode ignorar
mas a minha poesia, não!

José Gago

11/04/2012

ELES ANDAM AÍ

Atenção minha gente,
é urgente ficar alerta
porque a guera está aberta!
Eles andam aí...

Vieram no bico da cegonha
sem vergonha, nem respeito
e roubam tudo a eito!
Eles andam aí...

Bem vestidos, bem parecidos
importantes, bem falantes, delicados...
Parecem gente decente
mas no fundo, são somente
gatunos disfarçados...!

Cuidado! Eles anam aí...
Para mal dos nossos pecados!

José Gago

NO PAÍS DO SILÊNCIO

No país do silêncio
o sol brilha distante
os sonhos não têm cor
e a esperança não vai avante...

No país do silêncio
as lágrimas estão cansadas
e os rios morrem parados
sem marés, nem madrugadas...

No país do silêncio
há giestas entristecidas
vontades espezinhadas
tal qual, folhas caídas...!

José Gago

A FLOR DO NOSSO AMOR

A flor do nosso amor
é única, original
tem das estrelas a cor
e um perfume divinal...!

Não se confunde com a rosa
tem muito mais esplendor
é mais linda, mais viçosa
a flor do nosso amor...!

Tem pintas de amor- perfeito
e,é parecida ao malmequer
é uma flor de pôr ao peito
diferente de outra qualquer...!

De nada importa qual possa
ser o nome desta flor
ela é nossa, muito nossa
cheira bem, ao nosso amor...!

Nasceu no nosso canteiro
como se fosse criança
abre ao sol o dia inteiro
e é regada pela esperança...!

Sensível até mais não,
jamais perde a sua cor
tem alma, e tem coração
a flor do nosso amor...!

José Gago

COMO UM CARACOL

Tal como um caracol
bicho mole
rastejando ao sol...

Assim sou eu
no meu caminhar...
Sem nunca chegar
a nenhum lugar...!

Subindo pela parede abaixo...
Descendo pelo muro acima...
Sem quê, nem quando
lá vou andando...

Andando e desandando
de lado para lado...
Faço que ando, mas não ando
nem estou parado...!

José Gago

O FRUTO

Uma das coisas de que eu me lembro bem
dos tempos em que era puto...
É de ter ouvido alguém
dizer à minha mãe,
que eu era um belo fruto!

Aconteceu, que o tempo passou
a vida correu...
E até hoje, ninguém me explicou
que espécie de fruto sou eu!

Será que sou um fruto sumarento
suculento, agradável...
Ou pelo contrário, serei um fruto seco
amargo, desagradável...?

Casca grossa, eu sei que sou!
Também sou duro de roer...
Talvez até, eu seja um fruto que dejenerou
e nem sequer preste para comer...!

Há dias que sou mole, como um banana
outros dias, azedo como um limão...
Às vezes sinto-me um fruto do ramo
outras vezes, um fruto do chão...!

José Gago

PALHAÇO POBRE

Nasci no circo da vida
sem afecto nem regaço,
em noite de casa cheia
E o director de seguida,
designou-me palhaço
para animar a plateia...

Vesti meu corpo de mar
na cara a máscara que encobre
a lágrima alucinada
Sem tempo para sonhar
encarnei, palhaço pobre
sem direito a ser mais nada!

Na pista, eu fiz caretas
inventei truques sem fim
disse piadas a rodos
Dei saltos, fiz piruetas
todos se riram de mim
e só eu chorei por todos!

Repetidas e banais
já não causam gargalhadas
as graças que eu hoje faço
Divirto-me muito mais
assistindo ás palhaçadas,
de quem fez de mim, palhaço...!

José Gago

O HOMEM

Homem...
Quem é afinal o homem...?
Um ser racional,
ou um monstro irracional...?

O homem não respeita o homem!
Despreza o ambiente!
Destrói a natureza!
Fomenta a guerra!
Invade países!
Bombardeia cidades!
Assassina crianças!
Maltrata os animais!
Incendeia as florestas!
Polui os rios e os oceanos!
Dizima os peixes e as aves!
Envenena a atmosfera!
Desperdiça a água!
Abandona os campos!
Espezinha as flores!
Ignora a pobreza!
Etc...Etc...

Por ser assim, inconsciente...
E por tudo o que já fez e continua a fazer
o homem, dificilmente
conseguirá sobreviver...!

José Gago

10/04/2012

HOJE É DIA

Hoje, é dia do sol nascer para todos!
Para os pobres
para os oprimidos
para os excluídos...

Hoje, é dia de haver um sorriso para todos!
Para os carentes
para os dependentes
para os resistentes...

Hoje, é dia de abraçar a vida
a velhice, a mocidade...
De colher uma espiga de esperança
ou colocar um cravo rubro, ao peito da Liberdade!

Hoje é Abril!
É festa, é amor, é ternura...
É o dia de quem sonha e deseja
que a vida não seja
sempre noite escura...!

José Gago

ELES

Eles, chegaram ao poder
com promessas de bem fazer...

Eles, prometeram modernidade,  progresso,  enovação
mas promoveram o compadrio, o amiguismo, a corrupção!

Eles, semearam retórica, sorrisos e ilusões
escondendo que eram hipocritas, vigaristas e ladrões!

Eles, elegeram os seus seguidores, os seus clientes, os seus amigos
e designaram os pobres de escumalha, escravos e inimigos!

Eles, ajudaram os bancos, os banqueiros, os milionários
e desencadearam a fome, fechando as empresas, despedindo os operários!

Eles, roubaram e engordaram o seu património, as suas contas pessoais
e obrigaram o povo a sofrer, e o país a empobrecer, cada vez mais!

Eles, inventaram novas taxas, novos escalões, impostos vários
e congelaram as reformas, roubaram os subsídios, cortaram nos salários!

Eles, tornaram-se, dia após dia
os destruidores da democracia!
Roubaram a nossa esperança, os nossos sonhos, as nossas ilusões...
E venderam Portugal a retalho, ao desbarato e a prestações...!

José Gago

AS RATAZANAS

Socorro!
Acudam-nos!
Tragam varapaus
calhaus, catanas...
Estamos a ser atacados
devorados,pelas ratazanas...!

Que bichos nojentos!
Fedorentos!

Que praga maldita!
Esquisita!

Que rói
que mói
que destrói,e invade...
Que infesta e corrói
a própria Liberdade...!

Socorro!
Tragam varapaus
calhaus, catanas...
Vamos exterminar estas ratazanas
bichos sacanas!

José Gago

E TUDO O VENTO LEVOU

Esta vida são dois dias
dia e meio, já se passou
só falta viver meio dia
e tudo o vento levou...

Viver é sempre uma luta
entre escolhos e arrelias
mas uma certeza é absoluta
esta vida são dois dias!

Ao entrar nesta corrida
o tempo me enganou
desses dois dias de vida
dia e meio, já se passou...

Perdi as metas de outrora
o sonho e a fantasia
perdi o tempo e agora
só falta viver meio dia...

Pintei os quadros mais belos
que a vida sempre ignorou
ergui torres e castelos
e tudo o vento levou...!

José Gago

A PROFISSÃO

Se por mera casualidade
eu tivesse ainda idade
para escolher profissão
Não perdia tempo a pensar
mandava tudo passear
e escolhia ser ladrão!

Ser ladrão em Portugal
é a profissão liberal
de mais sucesso e bom gosto
De riscos bem reduzidos
os lucros são garantidos,
isentos de qualquer imposto!

Não precisa de cartões
alvarás, ou certidões
nem licença de porta aberta
Cada qual rouba o que quer
no local que entender
e toda a hora é hora certa...

Pode roubar descansado
não é preso, nem multado
basta-lhe alguma perícia
E se algo correr mal
é o próprio tribunal
que manda prender a polícia...

A norma foi alterada,
trabalhar já não dá nada
as estatísticas não falham
Chegámos a pontos tais
que os que roubam já são mais
do que aqueles que trabalham...!

José Gago

MELANCIAS

Todo o homem que escolhe a mulher
como quem escolhe uma melancia...
Normalmente, faz porcaria!

Como diz o ditado...
Quem muito escolhe, pouco acerta...
E essa coisa de largar uma, pegar outra
apalpar, rebolar, e põr de lado...
nunca deu bom resultado!

Mas pronto...
Se o homem leva para casa uma melancia verde
mole e sem graça...
Não há problema, a coisa passa!

Mas se ele cair na teia...
E levar para casa uma mulher feia
bem cheia
e mole que até chateia...
É mais que certo, que acaba tudo em diarreia...!

José Gago

09/04/2012

VELHINHO DESCARTÁVEL

Sentado sobre o Outono
caem-lhe as folhas da vida
que se espalham pelo chão
Há rugas de abandono
naquela vida esquecida
ao canto da solidão...

O amanhã já não desponta
naquele velhinho triste
triste sombra de ninguém
O seu passado não conta
seu presente não existe
e futuro já não tem...

Esquecido de sorrir
já nem reage à saudade
do homem que foi outrora
Só chora por se sentir
lixo desta sociedade
que o usou e deitou fora...!

José Gago

LÁGRIMAS

Porque choras tu agora, meu povo...?
Se tu sempre rejeitaste a bandeja dos sorrisos...?

Porque choras tu agora
se nunca tiveste sequer a coragem
de espreitar além do muro...?

Não digas que não estavas avisado!
Não digas que não sabias,
que mais dia menos dia
a borrasca acontecia...!

Não digas que nunca te disseram,
que a solução estava na tua mão...!

Mas tu escolheste o caminho mais fácil...
Preferiste as rosas, ao caminho das pedras
e esquceste que para além das nuvens,
também existe céu...!

Hoje, choras com uma rosa na mão
que não te faz sorrir
nem te traz o pão!

José Gago

POR ESTE MEU POVO ACIMA

Por este eu povo acima
fiz do sonho o meu caminho
sobre cardos e giestas
em trilhos de pão e vinho...
Abri janelas de bruma
ergui castelos de espuma
naveguei marés de linho!

Por este meu povo acima
colhi medronhos e medos
escondi o riso e o pranto
no baú dos meus segredos...
Desci ao fundo do mito
e toquei o infinito
com a ponta dos meus dedos!

Por este meu povo acima
fui poeta sem esperar
escrevi poemas molhados
p'los meus olhos a chorar...
Bebi copos de lonjura
em sonhos de água pura
nascidos além do mar!

Por este meu povo acima
verdejei trigais de esperança
desnudei meu peito ao vento
que anunciava a mudança...
Prendi na noite a saudade
e beijei a Liberdade
como quem beija uma criança!

Por este meu povo acima
inventei rios a correr
plantei lírios e abraços
numa terra a florescer...
Rasei os meus olhos d'água
e bebi goles de mágoa
nos cravos que vi morrer!

Por este meu povo acima
beijei lábios de alecrim
prendi com laços de amor
a raiva dentro de mim...
Espalhei sementes de vida
na campina ressequida
que eu lavrei até ao fim!

Por este meu povo acima
fui soldado sem razão
tive um cavalo sem cor
e uma espingarda na mão...
No meu colchão de capim
adormeci a dizer sim
acordei a dizer NÃO!

José Gago

O PRÓXIMO AMANHECER

Acreditamos,
que esteja apenas atrasada
e não adiada,
a Primavera que faltou...
Acreditamos
que esteja somente cansada
e não mutilada,
a gaivota que não voô...!

Acreditamos,
que estejam só adormecidos
e não extinguidos
os cravos que não floriram...
Acreditamos,
que estejam apenas caladas
e não amordaçadas
as vozes que não se ouviram...!

Mas a noite é de luar
a chama não vai morrer
e os rouxinóis, hão-de cantar
no próximo amanhecer...!

José Gago

08/04/2012

HOMEM DE ABRIL

Eu não nasci em Abril
mas vi nascer Abril!

Eu não sei se morrerei em Abril
mas sei que em mim
jamais morrerá Abril!

Porque, Abril sou eu!
Sou daqui
nasci aqui
tal como Abril nasceu!

Sou homem de Abril
o Abril me faz feliz

Bem ou mal amado
sou cravo encarnado
ao peito do meu país!

José Gago

GÉNIO PORTUGUÊS

Ele tinha no olhar
a lonjura inatingível, dos oceanos...
Tinha nas palavras
o incêndio expugnável, de um vulcão...
E no peito, tinha a força de um povo
levantado do chão!

Livre
Frontal
Génio português...
Vendaval!
Que açoitou a mesquinhez!

Mal amado
bem amado
incompreendido...
Foi o amor errado
dum país mal agradecido!

Viva Saramago!
Arriba, Saramago!
Contra Deus e o Diabo!

José Gago

07/04/2012

NÃO SOU GAGO

Por ser gago de apelido
e fazer disso um gracejo
sou muitas vezes inquirido
se gaguejo ou não gaguejo...

Há gente tão convencida
que sou gago no falar
que fica desiludida
por não me ouvir gaguejar...

Mas não me importo com tal
e até acho engraçado
falo de forma normal
e até canto bem o fado...

Minha voz é um afago
embora verdade seja
que até o gago mais gago
a cantar nunca gagueja...

Ser gago não é uma norma
mas também não é tragédia
tem até de certa forma
um não sei quê de comédia...

Não o digo com agrado
mas temos de concluir
que um gago bem apanhado
põe sempre meio mundo a rir...

Ser gago, pode ser fixe
é a mensagem que vos trago
mas quem for gago, que se lixe
quem fala assim não é gago...!

José Gago

SEMPRE QUE ABRIL CHEGAR

No pino da Primavera
sempre que Abril chegar
eu estarei à sua espera
com bandeiras no olhar...

Para além dum cravo ao peito
eu levo p'ra lhe oferecer
um enorme amor-perfeito
com pétalas de amanhecer...

Levo a força, levo a esperança
um país no coração
levo o querer e a perseverança
de quem luta pelo pão!

Levo um sonho sempre novo
e um hino p'ra desfraldar
levo um abraço do meu povo
sempre que Abril chegar...!

José Gago

O VENTO

Vento!
Como eu gostava de ser o vento!

Como eu gostava de acelerar
sem parar
no campo e na cidade...
Sem ninguém me multar
por excesso de velocidade...

Soprar do Sul
soprar do Norte...
Umas vezes suave
outras vezes forte...
Levando p'ra longe
prenúncios de morte...!

Vento!
Como eu gostava de ser o vento!

Voar livre
correr o mundo à vontade
levando boas novas
a quem sonha a Liberdade...!

José Gago

GRITO

Subo ao cimo do morro
e peço socorro...
Grito
bracejo
mas nem acredito
naquilo que vejo!

Toda a gente calma, indiferente
toda gente desinteressada
embalada na corrente...
Como se nada tivesse a ver com a gente!

Em sobressalto
grito mais alto
mas acabo por me calar
Afinal, ninguém está para se chatear...

Um dia quando acordarem
já será tarde, porém...
Por onde os outros passarem
eu irei passar também...!

José Gago

06/04/2012

O INSECTO

Poisando aqui
poisando ali
nesta e naquela flor...
Sou um insecto voador
buscando o pólen do amor!

Sem veneno no ferrão
não causo comichão
nem irritação...
Zum zum, é tudo o que faço
e esvoaço
p'ra ninguém me por a mão...

Não sou abelha, nem zangão
tenho pernas compridas
e asas coloridas...
Fujo da poluição
odeio os insecticidas!

Sou um insecto voador
que, de flor em flor
busco o pólen do amor...!

José Gago

AS FONTES DO AMOR

Se tiveres sede de amor
não bebas da fonte errada
pois a água que se deseja
por mais fresquinha que seja
poderá estar inquinada...

O amor, tal como a água
deve correr puro na rede
sendo um bem da natureza
se perder sua pureza
faz mal e não mata a sede!

Ao longo do seu percurso
tem de correr transparente
se correr sujo, ou fingido
torna-se um rio poluído
logo a partir da nascente...

Quem ama, está sequioso
da felicidade sem mágoa
o segredo está na ventura
de encontrar na procura
a fonte da boa água...!

José Gago

DELÍRIOS

Arranco à terra ressequida
as raízes podres da indiferença
e deixo-me voar...
Nas voltas deste carrossel vertiginoso
que eu não sei como
nem quando, irá parar!

Na sonolência das ideias
vou desfolhando as pétalas cinzentas
das rosas colhidas no roseiral da utopia...
Perguntando ao vento
onde estão as canções de amor
que ele prometeu que me trazia...!

No silêncio de cada madrugada
sinto ecoar em mim
o grito da noite que se anuncia...
Mas nada me diz, se já é noite
ou se ainda é dia...

José Gago

SER DE OUTRAS COISAS

Descansando da minha jornada
nesta almofada
que me foi dada pela vida já vivida...
Pergunto às vezes a mim próprio
porque é que eu nunca fui,
não sou, nem me pareço
com certa "gentinha" que eu conheço...!

Isto é; com hipócritas, bajuladores
troca tintas, engraxadores
ébrios e outros estupores!
E chego à conclusão, que não sou assim
porque sou de outras coisas...
Porque há outras coisas
que chamam muito mais por mim!

Coisas que à primeira vista
até podem parecer pequenas coisas...
Coisas insignificantes, banais
mas que são coisas importantes, bem reais
que nos envolvem e nos transportam
ao mundo dos ideais...!

Coisas do passado
coisas do presente
Que mexem com a gente...
Coisas, que pelo seu significado singular
nos fazem acreditar
que somos de outras coisas...!

E ser de outras coisas
não é ser de todas as coisas...
Ser de outras coisas
é lutar, para mudar o sentido das coisas...

Ser de outras coisas
é agarrar a esperança que vem no vento,
é dar asas e força ao pensamento
acender dentro de nós uma fogueira...
É cultivar no peito um cravo rubro
é festejar Abril no mês de Outubro
abraçar a Liberdade, a vida inteira!

José Gago



A CARRUAGEM DO TEMPO

O tempo é uma carruagem
sempre, sempre em movimento...
Por muitos e mais cuidados
somos sempre atropelados
p'la carruagem do tempo!

Mas se eu gastei tanto tempo
sem do tempo querer saber
que me interessa agora o tempo
que me resta p'ra viver...?

Eu não tenho tempo
para pensar no tempo!

Eu não quero saber do tempo
nem do relógio do tempo!

O tempo é meu
o relógio, sou eu!
O tempo não me faz mossa
vou viver até que possa
e quando morrer... morreu!

José Gago

POESIA ATÉ AO FIM

Eu sou a nuvem pardacenta e fugidia
que se perde no horizonte...
O sopro da ventania
que agita a ramaria
no arvoredo do monte...

Sou o som estridente e frenético
dum batuque de tamborim...
Caudal turbulento dum rio
que transborda dentro de mim...

Sou eco distante
na campina verdejante...
Sou a flor de jasmim
ou o ramo de alecrim...
Sou o ribeiro a correr
com a força de ser
poesia até ao fim!

José Gago

PESCADOR DESESPERADO

Aqui!
Neste mar imenso, encapelado
açoitado pelos ventos
da ganância e da hipocrisia...
Sinto-me um pescador desesperado
distante da pescaria!

No meu bote à deriva
perdi o leme e o norte...

E na bravura deste mar
vejo os meus sonhos escapar
por entre as malhas da sorte...!

Sou um pescador desesperado
longe do cardume desejado...
Mas bem lá no fundo
há uma estrela do mar a luzir
e um peixe chamado esperança
que eu não vou deixar fugir...!

José Gago

BENDITA SEJA

Bendita seja
a frágil centelha de esperança
que ainda me prende à vida
quase esvaída...!

Bendita seja
a frescura da giesta
que transporta até mim
perfumes de outras Primaveras...!

Bendita seja
a carícia da madrugada
que poisa de mansinho
sobre o silêncio das flores...!

Bendita seja
esta crença absoluta na verdade
como no amor com que te quero
minha doce Liberdade!

José Gago

OS ROBERTOS

Navegava eu,no mar das minhas tenras Primaveras
quando os conheci...
E com eles me diverti...!

Eram uns bonequinhos,hilariantes
vivaços e espertos
que nesses tempos distantes
se chamavam de,Robertos...!

Mas... Meu Deus!
Como eu era inocente!
Para mim, aqueles bonecos,eram gente...!
Eram pessoas que falavam, que riam
Que choravam, que sofriam...
E como eu me assustava
quando eles se agrediam...!

A verdade, é que eu já era bem grande,
quando me apercebi
que aqueles bonequinhos engraçados
não passavam de fantoches, manipulados...

Hoje, após a vida quase consumida
estou absolutamente certo
que eu próprio, não fui na vida
nada mais do que um Roberto...!

Ou seja, um boneco manipulado
usado e posto de lado
sem ser tido, nem achado!

José Gago

POETA À SOLTA

Sempre que eu escrevo
e me atrevo
a abrir em mim a porta da revolta...
Não mais sei onde estou, nem onde vou
apenas sei que sou, um poeta à solta!

Se me obrigam a escrever
na minha condição de revoltado...
Eu sou, por assim dizer
um carro destravado
que não mais pára em nenhum lado...!

É que eu, não sou de escrever versos amordaçados
ou castrados!
Os meus versos, são sempre punhais afiados
dardos lançados, ao peito do medo...
Gritos desbravados
que não morrem calados
nem pedem segredo!

Por isso, sempre que eu escrevo
e me atrevo
a abrir em mim a porta da revolta...
Eu sou como um rio sem foz!
Um poeta à solta
com lanças na voz...!

José Gago

A DANÇA DA VIDA

Porque esta vida é uma dança
onde a sorte nos enleia...
Quem é pobre não tem esperança
e baila sempre com a mais feia...!

Quem nasce p'ra trabalhar
boas metas nunca alcança
e passa a vida a dançar
porque esta vida é uma dança...

É uma dança complicada
que da qual, ninguém se alheia
bem virada e bem rodada
onde a sorte nos enleia...

À ordem do mestre sala
toca a música p'rá festança
sem poder trajar de gala
quem é pobre, não tem esperança...

Dançar a vida, é uma arte
onde o rico se pavoneia...
Quem é pobre, dança à parte
e baila sempre com a mais feia...!

José Gago

QUE MUNDO

Meu Deus!
Que louco e tenebroso
é este mundo que me rodeia...
Onde a podridão avança
e a semente da esperança
já nem sequer se semeia!

Não! Não foi este o mundo cor de rosa
que os homens me prometeram...
Mas foi este, o pântano lodoso
que os mesmos homens me ofereceram!

Mundo cão!
Da pobreza, da exploração!
Do negócio da guerra
do genocídio, da opressão!

Mundo podre!
Que chafurda no sangue inocente
de tanta e tanta gente
assassinada, cobardemente!

Mundo horroroso!
Canalha!
Que queima como fornalha
sem que a consciência do homem
mexa uma palha...!

José Gago

NA PRAIA DOS DESENGANOS

Gelam na bruma os batéis
passa o vento, leva a esperança
vão-se os dedos e os anéis
vão-se os sonhos de criança...

Na praia dos desenganos
morrem cantes de sereia
e o eco dos verdes anos
deixa marcas na areia...

Gaivotas em desvario
trazem canções d'além mar
e a saudade é um navio
que voga no nosso olhar...

Há prenúncios da partida
nas bocas que gritam sós
são as dores de toda a vida
a chorar dentro de nós...!

José Gago

O MEU CAMINHO

Por aqui, por este caminho que escolhi
não sei onde vou parar
nem o que vou encontrar...
Mas se é este o caminho
é por aqui, que vou caminhar!

Se vierem as palmas, tudo bem!
Se vierem as vaias, também!

Se vierem as pedras, tentarei protejer-me...
Se vierem as balas, tentarei defender-me...

Não posso é voltar atrás, ao caminho dos cobardes
porque esses, não seguem a rota do pensamento...
Apenas se movem
ao sabor e a favor do vento!

Por aqui, por este caminho que escolhi
posso até não encontrar a glória...
Mas hei-de chegar a tempo
de celebrar a vitória...!

José Gago

SONHOS

Os sonhos são como brasas
no nosso peito a queimar
vão crescendo, ganham asas
não mais param de voar...

E mesmo que em sobressalto
um sonho que voa alto
não se pode acorrentar!

Um sonho é como o vento
não há nuvem que o afronte
É aurora de sentimento
a força do pensamento
a rasgar o horizonte...!

José Gago

UM VASO DE ANGÚSTIA

Que não esperem de mim,
um ramalhete de túlipas
todos aqueles que até hoje
só me deram a cheirar, flores de tojo
e rebentos de erva azeda...!

Jamais poderei oferecer uma jarra florida
a quem toda a vida, dia a dia
só me ofereceu ignorância
e sorrisos de hipocrisia!

Não!
Não é possível descobrir orquídeas
num campo pejado de ervas daninhas...
E com calhaus de granito
não é possível falar de amor
nem da magia da cor...!

Aos que nunca me ensinaram
o que era um girassol
nem uma roseira brava...
Ofereço apenas, este vaso de angústia
que nunca mais acaba...!

José Gago

04/04/2012

POETA EM VIAGEM

De forma humilde e discreta
eu escrevo versos na boa...
Não sou o Pessoa poeta,
mas sou poeta e pessoa!

Pessoa e poeta, só houve um
o Fernando e mais nenhum!

Por outro lado...
Poetas assim assim
há milhões, iguais a mim!

Porém, no meu percurso despercebido,
do mundo desconhecido,
eu sou um poeta em viagem...
Admirador do Pessoa
eu escrevo versos na boa
e passo a minha mensagem...!

José Gago

MUSAS CANSADAS

Puxo pela cabeça
agito a massa cinzenta
queimo os neurónios...
Tudo na tentativa de trazer novas auroras
ao meu pensamento...

Mas as minhas musas estão cansadas!
Esgotadas
Tingidas de entardecer...
E de dia para dia,
o pouco que eu sabia,
começa a esmorecer...!

Musas cansadas, desgastadas
Musas trementes, decadentes
sem ânimo, nem alento...
Que de mim se fartaram
e para longe voaram
nas asas do vento!

José Gago

SOMBRAS

Sombras!
Há sempre sombras que agitam
fantasmas na noite escura...

Há sempre sombras que gritam
no degredo da loucura...

Há sempre sombras que habitam
entre a flor e a sepultura...!

Sombras que vêm...
Sombras que vão...
Sombras que adensam a escuridão...

Sombras de ninguém,
ou de alguém ausente...
Sombras sem voz
que fazem de nós
sombras de gente!

José Gago

A CHUVA DO AMOR

Porque a chuva do amor tarda em cair
há lírios que secam sem florir
e crianças que morrem sem sorrir!

Meu Deus! Meu Deus!
Manda depressa por favor
a chuva do amor!

Se a chuva do amor ainda tardar
muitos lírios ainda vão secar
e muitas mais crianças vão chorar!

Meu Deus! Meu Deus!
Manda depressa por favor
a chuva do amor!

José Gago

DESVARIOS

Eu nasci no subúrbio da vida
nas traseiras do sol
e na parte mais escura do sonho...!

Sou um inquilino do desespero
e a minha casa, situa-se num beco onde as ratazanas procriam
e os morcegos dormem, dependurados na noite!

Não sei o que são vasos,nem canteiros
não sei de que cor são as rosas
nem conheço o perfume do amor-perfeito...!

Sou um vulto simulado
que se move na noite de breu...
Fugindo assustado
assombrado, por um fantasma que sou eu!

José Gago

PRODUTO CERTIFICADO

Se eu sou o que sou
e como sou
foi porque alguém me fez assim...
E a culpa não me cabe a mim!

Se nasci burro
casmurro
a cheirar a esturro
vou sê-lo, até ao fim...

Pois sou um produto nado
criado e certificado
por este mundo danado
feio e ruim...!

José Gago

VEREDAS

Deixem, por favor!
que eu percorra à minha vontade
as maviosas veredas do meu sonho...

Não tentem prender-me
nem controlarem os movimentos...
Porque os trilhos do meu pensamento
são gaivotas livres!
Tão livres como o vento...

Eu sei, que há emboscadas
montadas p'lo desamor...
Cancelas fechadas, que é preciso transpor...
Mas não apontem o medo
a quem acena com uma flor!

Talvez, que eu pudesse escolher outro caminho
outros trilhos, para palmilhar...
Mas... Por aqui!
Pelas veredas do meu sonho, eu sei que vou chegar!

José Gago

EU SEI QUE ESTÁS AÍ

Eu sei que estás aí!

Em cada flor da giesta
em cada pétala de rosa
no planar de cada gaivota...

Eu sei que estás aí!

No vermelho das cerejas
no doirado das espigas
no cantar de cada riacho...

Sim! Eu sei que estás aí!
Sei que és cor e fervor
ardor e tremor
e sei que te chamas, amor...!

José Gago

03/04/2012

PEÇO PERDÃO

Peço perdão!
A todos os que esperavam,
ou ainda esperam, de mim
algo mais, do que palavras...

Peço perdão!
Se não sou,
ou nunca fui capaz de ir mais alem
do que passar para o papel
as minhas "bazófias" insignificantes...
Mas... Cansei!
E uma vez, cansado
nada mais é como dantes...!

Sentido!
Desiludido!
Não fui capaz de nascer amanhã
como a mim próprio, eu tinha prometido!

Acabei por nascer ontem
e morrer ontem...
Esquecido!
Arrependido de ter nascido, neste mundo ruim
que, nem sequer deu por mim...!

José Gago